Com cinco andares abaixo da terra e mais de vinte quilômetros de corredores, era nas catacumbas romanas que os cristãos se refugiavam dos perseguidores, enterravam seus mortos e realizavam seus cultos de fé. Séculos e séculos depois, as catacumbas modernas são os nossos centros comerciais, com vários andares acima e abaixo da terra, quilômetros de corredores, onde os filhos de Deus se protegem da violência e celebram cultos à deusa Grife.

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Abaixo e acima da terra, o homem do século XX procura abrigo em cavernas de concreto e gesso, na linha do horizonte as ruas estão condenadas à morte. Em Curitiba, estamos assistindo a um genocídio urbano. Barão do Serro Azul (com s no original e com c no nome da rua), coitado, morreu duas vezes. Como se não bastasse ter sido fuzilado na Serra do Mar, falecido está como uma via urbana baleada pela degradação da Rua Riachuelo e adjacências. O diplomata José Maria Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco, também não merecia morrer pela segunda vez, privado do velho Bar Palácio, das noites de gala do Clube Curitibano e prejudicado pelas questões de limite com uma moderna catacumba. Saldanha Marinho é um caso exemplar de desmerecimento da memória do vulto histórico, hoje lembrado apenas como endereço privilegiado do crime. É preciso repetir à exaustão o que só as autoridades policiais não sabem: a falta de segurança, iluminação e nenhuma atenção da Prefeitura – Ai!, as calçadas da Saldanha – fizeram da Rua Saldanha Marinho um supermercado ao ar livre de drogas.

Emblemático é o caso do Bar Bife Sujo: virou restaurante de almoço porque negócios além do lenocínio e do tráfico se tornaram inviáveis na região central, também conhecida como a crackalândia de Curitiba. A insegurança e a escuridão da Saldanha obrigaram o Bife Sujo abandonar a clientela notívaga e trocar a noite pelo dia. Situados no corredor do inferno, outros estabelecimentos comerciais também fecham suas portas no período noturno. Não foram poucos os comerciantes que já tentaram investir naquelas quadras. Todos saíram correndo dos marginais e do prejuízo.

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Para não dizer que não falamos de flores, as floriculturas representam, em pequena escala, uma das causas do assassinato urbano: na falta de uma legislação que proteja o pequeno comércio de rua, vender rosas, cravos e dálias é um negócio que não já cheira bem; por força dos supermercados que vendem orquídeas a preço de banana, únicos itens que as floriculturas têm para sobreviver. Recentemente vimos nos jornais uma calorosa polêmica entre os comerciantes de combustíveis e uma rede de supermercados sedenta de gasolina. As farmácias, ainda resistentes nas esquinas, estão sendo cerceadas de alargar as prateleiras, quando nos grandes conglomerados catecúmenos o limite do negócio é o que o crédito pode comprar.

Os legisladores da cidade só lembram das pequenas floriculturas de rua, que ainda teimam em existir, quando precisam prestar suas homenagens de praxe. No enterro das ruas, não teremos nem mesmo flores para comprar na esquina.

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Na catacumbas modernas, os túmulos das ruas são chamados de pisos. Piso Mateus leme, Piso Vicente Machado, falta apenas a inscrição em mármore: ?Aqui jaz uma rua?.