Embora seu conterrâneo Eça de Queiroz tenha escrito que “o homem põe tanto de seu caráter e de sua individualidade nas invenções da cozinha, como nas artes”, Fernando Pessoa, o grande poeta da alma portuguesa, não era o que hoje se denomina um “gourmet”. À mesa, preferia receita simples. Pouco solene no paladar, dizia: “Comamos, bebamos e amemos (sem nos prender sentimentalmente à comida, à bebida e ao amor, pois isso traria mais tarde elementos de desconforto)”. Dos líquidos, Fernando Pessoa bebia bem. Muito bem. O que lhe causou grandes desconfortos. Tanto que teria morrido com o mal dos poetas: cirrose. Quanto aos sólidos, o fiado era uma constante na sua vida de sentar à mesa mais para escrever do que para comer.

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Além do “A Brasileira” do Chiado, na rua Garret, outro café e restaurante onde Fernando Pessoa tinha conta corrente era o “Martinho da Arcada”. Inaugurado em 7 de janeiro de 1782, o mais antigo café de Lisboa ainda hoje tem endereço na Praça do Comércio (antigo Terreiro do Paço, das maiores praças da Europa). O Martinho da Arcada era ponto de encontro de todas as correntes políticas e ideológicas, dos maçons ao anarquistas, onde Pessoa sentava sempre na mesma mesa de mármore com um eterno café fumegante.

O Martinho da Arcada era o escritório de Fernando Pessoa. Lá chegava, invariavelmente, às sete horas da noite, sentava-se na mesma mesa de mármore cinza escuro que ainda hoje pode ser desfrutada, nela espalhava seus papéis (deixou um baú com 30 mil páginas) da inseparável pasta preta que carregava embaixo do braço e escrevia versos assim:

“É como se esperasse eternamente \ A tua vinda certa e combinada \ Aí embaixo, no Café Arcada – \ Quase no extremo desse continente”.

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Nos meses finais de vida, Pessoa abandonou todos os demais cafés e só era visto naquela mesa do Martinho da Arcada. Se fosse hoje, pediria um vinho do Porto branco e gelado para início dos trabalhos, morcela frita e pasteizinhos de bacalhau de entrada e, como prato principal, um robalinho assado na brasa com legumes e batatas, tudo bem acompanhado por um tinto alentejano.