A mesa, a boca e as más línguas

Barcelona respira o Mediterrâneo, suspira por Gaudí e Picasso, transpira futebol e exala as delícias do Mercado de La Boqueria – a alma, as papilas e o estômago da cidade. Mais que um mercado público, La Boqueria é uma cozinha e um restaurante em ebulição, com seus produtos  frescos: das frutas, dos temperos, das carnes, dos pescados e da doceria que fazem hoje da culinária espanhola uma das mais sofisticadas do mundo.

Se hoje os chefs espanhóis olham para o céu contando estrelas, nos tempos em que o escritor Alexandre Dumas percorreu a Europa para escrever o seu “Grande Dicionário da Cozinha” (publicado em 1873), toda a gastronomia espanhola não passava da panela: “Você, que teve a infelicidade de atravessar a Galícia como eu, evite surpresas. No pátio de chegada da diligência nas estações ferroviárias, você encontrará, como em qualquer outro lugar, indivíduos maçantes que o convidarão para a se hospedar no hotel deles. Informe-se muito bem ou então cairá em uma atroz ‘posada’ chamada casa de ‘huéspedes’; nelas não encontrará nem chocolate agradável, nem caldo decente, nem cama confortável. Se, ao contrário, seguir o criado de um bom hotel previamente recomendado, não comerá na Galícia nem melhor nem pior que nas outras regiões da Espanha. Em todo caso, eu aconselharia o turista a conhecer antes a Itália. A Itália é um feliz intermediário entre a França e a Espanha, pois lá, onde se come mal, os bons hotéis proclamam: ‘Temos cozinheiro francês’; já na Espanha , onde se come abominavelmente, os grandes hotéis alardeiam: ‘Temos cozinheiro italiano’”.

A mesa do gordo e “bon-vivant” Alexandre Dumas não ia muito além das fronteiras da França com a Espanha, onde “o peixe, a ave, ou a caça serão excelentes, mas o tempero será abominável. A ave, na falta de espeto, é comida frita na frigideira ou assada na panela, o mesmo acontecendo com a caça. Na Espanha, o espeto é conhecido apenas como substantivo: está em todos os dicionários, mas não é encontrado em cozinha alguma”.

 Para contestar Alexandre Dumas, “mañana” veremos porque La Boqueria é a alma, as papilas e o estômago de Barcelona.