Nas velhas tardes de domingo, no escurinho do cinema, um dos mistérios que assaltava a imaginação vinha do alto, da retaguarda, da sala de projeção. Os filmes, mostrava a revista Cinelândia, eram realizados nos estúdios de um mundo dos sonhos. Mas quais as engrenagens que os traziam de Hollywood até nossos olhos?

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Para entender os tortuosos caminhos dos cinemas e o fascinante percurso do maior nome da indústria cinematográfica do Brasil, o guia é o livro de Toninho Vaz, O Rei do Cinema: a extraordinária história de Luiz Severiano Ribeiro, o homem que multiplicava e dividia, que será lançado hoje nas Livrarias Curitiba do Shopping Estação. Para o autor, nascido em Curitiba e na fila do Cine Ópera, o livro é dedicado aos personagens dos seus melhores sonhos. Ao leitor, seguramente, foi dedicado a desvendar os bastidores de uma saga de grandes sonhos. E sonhos realizados. Do Ceará, onde o sonhador vendia cerveja, fabricava gelo, administrava hotéis e uma próspera rede de cinemas, até a glória no Rio de Janeiro, quando ergueu a Atlântida Cinematográfica e tornou-se o grande nome do espetáculo cinematográfico brasileiro, dono do maior circuito de exibição da América Latina.

O sonhador não era um. Um era o nome, Luiz Severiano Ribeiro, três faziam parte da mesma lenda, conta Toninho Vaz: “É razoável que Luiz Severiano Ribeiro seja confundido com uma lenda semelhante à do Fantasma, o espírito que anda, de Lee Falk. Ele se multiplica desde o século XIX até hoje, com o mesmo nome perpetuando uma dinastia de quatro gerações. Desde o primeiro Luiz Severiano Ribeiro, o médico, passando pelo obcecado criador de cinemas e seu filho, Junior, produtor de chanchadas, até o atual Luiz Severiano Ribeiro Neto, administrador de uma cadeia de 208 cinemas em várias cidades brasileiras”.

Os Luizes Severianos Ribeiros (assim batizou Stanislaw Ponte Preta) tinham como slogan de suas empresas “Cinema é a maior diversão”. O relato de Toninho Vaz também é uma diversão. Dos bons episódios, um deles é exemplar quanto ao caráter do tycon Severiano Ribeiro e envolve Carlos Manga, o então jovem diretor de chanchadas da Atlântida: “Durante todos os anos de trabalho com Ribeiro Júnior, Manga lembra-se apenas de uma restrição, em nível pessoal, feita pelo grande tycon e dirigida principalmente aos diretores dos filmes: eles estavam proibidos de namorar qualquer atriz. A não-obediência desta determinação custaria uma suspensão temporária a Manga, pelo envolvimento com a atriz Edith Morel durante as filmagens de Dupla do Barulho, baseado na verdadeira história de Oscarito e Grande Hotel. A penalidade funcional lhe seria imposta pessoalmente por Ribeiro Júnior, cujos princípios morais e bons costumes vinham do berço, embora sua fama de galanteador seja igualmente relevante nesse contexto”.

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No Rio de Janeiro, o Cine Rian era a jóia da coroa do império dos Luizes. Foi inaugurado em 1942, com Carmem Miranda no elenco do filme Aconteceu em Havana. Rian é o anagrama de Nair de Teffé, esposa do presidente Hermes da Fonseca e conhecida caricaturista da revista Fon-Fon. Rica, elegante e de família nobre, a primeira-dama assinava seus desenhos como Rian para satirizar pessoas da alta sociedade. Rian era famosa na imprensa, Nair era famosa nos cassinos: não raro ela “passava no escritório de Severiano Ribeiro, durante a noite, com o objetivo de sacar algum adiantamento que lhe permitisse saldar as dívidas acumuladas na roleta e no bacarat”.

Das ruas de Fortaleza às ruas do Rio de Janeiro, o império dos sonhos ganhou as profundezas dos shopping centers. Em agosto de 1986, o poeta Carlos Drummond de Andrade escreveu: “Esse Rio de Janeiro! O homem passou em frente ao Cinema Rian, na Avenida Atlântica, e não viu o Cinema Rian. Em seu lugar havia um canteiro de obras. Na Avenida Copacabana, Posto 6, o homem passou pelo Cinema Caruso. Não havia Caruso. Havia um negro buraco, à espera do canteiro de obras. Aí alguém lhe disse: O banco comprou”.

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