“Jornada de trabalho de oito horas, seguro desemprego, auxílio creche, hora extra, fundo de garantia e ainda e ainda por cima adicional noturno? Nem morta!” – desabafou Madame Champagnat embaixo do secador de cabelos do Salão Marly.

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As novas regras trabalhistas para as empregadas domésticas pegaram a Madame Champagnat num momento delicado. Justamente quando estava discutindo a relação com o marido, tudo por causa dos rigores da lei. Enquanto a lei seca no trânsito não era tão seca, o casamento ia aos trancos e barrancos, mas ia. Tarde da noite ele chegava em casa feito um equilibrista, ela fazia de conta que o estresse era a causa daquela intermitente labirintite que sempre o atacava ao anoitecer.    

“Era só o que me faltava!” – a madame jogou o jornal pro lado e, com suspiro lá do fundo do silicone, acrescentou: “Logo agora que o meu marido deu pra beber em casa!”.

A manicure, cujo marido também começou a beber em casa, junto com o por do sol, levantou os olhos para a madame: “A senhora não conhece os gambás domésticos?”.

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“Gambá doméstico? Que bicho é esse, menina?”

“É o mesmo que eu tenho lá em casa! São fáceis de tratar, mas exigem cuidados especiais, principalmente para evitar acidentes domésticos. O copo tem que ser de plástico, porque não tem o garçom para limpar o estrago. Na churrasqueira ou na sala, é preciso instalar corrimões em toda a casa. No banheiro, especialmente. E nunca devemos deixar o gambá contrariado. O bicho, no início, torna-se muito violento. Outra coisa, querida: de jeito nenhum recebo a visita de uma amiga, com o gambá doméstico por perto. Sua natureza de boteco não pode ver um rabo de saia”.

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Madame Champagnat largou a revista, impressionada: “Menina, onde você aprendeu tudo isso?”.

“Na noite, madame! Esses bichos são noturnos. Por isso, quando começa a escurecer, o gambá sai do abrigo para caçar. Se alimenta praticamente de tudo o que encontra num balcão de boteco”.

Com as mãos em pose de pensadora, Madame Champagnat fez dos olhos um pisca-pisca: “E eu pensando que gambá fosse o meu cunhado! Bebe o dia inteiro e à noite bate na mulher. Meu bem, você me deu uma bela ideia!”.

“Não me diga que a madame vai fazer um criação de gambás domésticos?”

“Um já é muito, querida! Sabe de uma coisa? Eu vou é despedir hoje mesmo uma das minhas três empregadas. Agora, com todos esses encargos sociais, por que pagar adicional noturno? Ora, vou é botar o meu gambá doméstico para cuidar da casa, comida e roupa lavada! Não é isso que todo homem mais precisa?”.