Sexta-feira foi o dia da Paixão; sábado de Aleluia, domingo de Ressurreição. Assim reza a liturgia da fé. Na liturgia do ócio, são três dias no reino da gula: sexta-feira bacalhau, sábado tainha com feijão, domingo macarrão.
Acrescido do chocolate, foi basicamente esse o cardápio dos três dias de ócio de Páscoa, dedicados a rever familiares e a casa da nona. Além, é claro, de cumprir o ofício de escrever estas linhas regulamentares, em meio a um ambiente onde todos estão entregues ao ?dolce far niente?.
Inúmeros foram os cronistas que, na falta de assunto, escreveram sobre a falta de assunto; e com essa súbita lacuna, por exemplo, Rubem Braga preencheu belas páginas da nossa literatura.
Não é esse o caso, pois a fortuna me fez cair em mãos uma entrevista, no Diário Catarinense, com o sociólogo Domenico de Masi, autor do livro O ócio criativo, publicado na Itália em 2000 e que se transformou em fenômeno mundial, pela ousadia das idéias do professor, que é amigo e anfitrião italiano de Jaime Lerner.
Pesquisador das relações de trabalho na Sapienza Università de Roma, Domenico de Masi defende que o trabalhador precisa aproveitar melhor o seu tempo de vida, dividindo-o entre estudo, trabalho e lazer.
Um doce feriadão de Páscoa é pouco. De Masi promete que a carga horária de trabalho tende a diminuir cada vez mais, enquanto a expectativa de vida aumenta: ?Hoje é preciso dizer que quem trabalha com horário determinado, como um emprego em banco, trabalha cerca de 80 mil horas. E sua vida é de 700 mil horas. Portanto, o trabalho custa uma nona parte da vida. O tempo de vida está aumentando e a quantidade de trabalho tem diminuído. Mas hoje existem os trabalhadores criativos. Como os jornalistas, os professores, advogados, os liberais, os artistas, os diplomados. São cerca de um terço de todos os trabalhadores. Para estes, não existe horário de trabalho. Tudo é trabalho. Até quando dormem pensam naquele artigo que precisam escrever?.
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Domenico de Masi está em Florianópolis para assentar as bases de um festival cultural internacional e temático nos mesmos moldes do Festival di Ravello, um dos mais prestigiados da Itália. Planejado para 2008, o objetivo do festival é atrair para a ilha um turismo de alta qualidade. Segundo o sociólogo, não existe em Santa Catarina um turismo de altíssimo nível. Apenas de nível elevado, médio e baixo. O festival terá um caráter popular e interdisciplinar, focado no turismo de negócios, e o professor exemplifica com as mudanças que o festival ocasionou em Ravello, onde o número de turistas caiu 15%, mas o faturamento com o turismo cresceu 300%.
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Como será o ?dolce far niente? daqui a 50 anos? Tudo vai depender da tecnologia. De Masi acha que aumentará o trabalho criativo e diminuirá o trabalho executivo, aumentará a quantidade de tarefas feitas pelas máquinas.
E quem vai suar a camisa, enquanto o primeiro mundo se esbalda no ócio criativo? Vai sobrar para nós, garante o sociólogo: ?O trabalho se desenvolverá muito em países como China, Índia e Brasil, que se transformarão em três grandes potências culturais e econômicas?.
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Já que o feriado de 21 de abril cai num sábado, o próximo feriadão poderá ser no Dia do Trabalhador, primeiro de maio, uma terça-feira. Para os trabalhadores criativos, basta enforcar a segunda-feira, como é de costume.
Portanto, mãos à obra.