A lenda do Abominável

O inverno chega a Curitiba pela televisão. É quando a moça do tempo anuncia a previsão de temperatura para todo o país, com o velho bordão: máxima de 40 graus no Piauí, mínima de zero grau em Curitiba.

Não importa se está caindo neve na Serra catarinense. Para todos os efeitos climáticos, no imaginário dos brasileiros acima de São Paulo, Curitiba é a cidade mais fria do Sul, incluindo Buenos Aires. Pode ser uma lenda, mas os editores dos telejornais nacionais acham que o Abominável Homem das Naves mora em Curitiba. O que não seria impossível, considerando-se a diversidade étnica do Paraná.

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A origem da lenda do Abominável Homem das Neves é um dos grandes mistérios ainda não resolvidos pela humanidade. Pelas primeiras descrições, seria um animal peludo que caminharia ereto sobre duas pernas, semelhante ao Tony Ramos. Teria mais de 3 metros e pesaria aproximadamente 150 quilos. Os nativos das montanhas geladas do Himalaia deram ao bicho o nome de Yeti. Em 1832, o inglês B.H. Hodson foi o primeiro a descrever o bicho. O Abominável Homem das Neves ganhou fama internacional, em 1951, quando o alpinista inglês Eric Shipton publicou uma série de fotos de pegadas com 35 cm de comprimento por 20 cm de largura. Uma celebridade, Yeti só saiu da cabeça dos cientistas ingleses, em 1964, depois que Mary Quandt lançou a mini-saia e, mesmo assim, porque descobriram que era uma fraude montada pelos sherpas. Os nativos do Himalaia, que vivem do turismo, aprenderam direitinho com os alpinistas ocidentais: vendiam pedaços de pele do urso azul, animal nativo da região, como sendo relíquias do Abominável.

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Numa cidade cujos dotes turísticos foram criados por vias administrativas, Curitiba carece de atrações turísticas de inverno. Há três décadas esperando nevar outra vez, pode vir a ser bom negócio alimentar a notícia de que o Abominável Homem das Neves tem paradeiro no primeiro planalto paranaense. Seria mais uma lenda, acrescentando-se àquela de que o curitibano é frio por natureza – o que não deixa de ter um fundo de verdade, porque o frio dos últimos dias está de rachar.

Nos meses de junho e julho, o calendário turístico de Curitiba só consegue ser mais pobre do que no mês de fevereiro, quando não temos carnaval. Festas juninas caíram de moda, agora são festejos tipicamente nordestinos. Quadrilhas, com elas só a Polícia Federal se diverte. Balão de São João, de vez em quando um maluco bota fogo na serra do Mar. Casamentos caipiras não mais, há muito o Halloween caiu no gosto popular. E com o dólar assim simpático, vamos ter um longo e tenebroso inverno, enquanto aqueles com lareira na sala passam as férias em Bariloche.

?Curitiba, a fria?, disse o jornalista Fernando Pessoa Ferreira. ?Curitiba é a capital mais fria do Brasil, a média das mínimas em julho é 8,4ºC, a média das máximas é 26,2ºC em fevereiro?, dizem as estatísticas climáticas. ?Máxima de 40 graus no Piauí, mínima de zero grau em Curitiba?, diz a moça do tempo. Assim sendo, é preciso espalhar a lenda de que o Abominável Homem das Neves vive em Curitiba. Aposentado, o Yeti mora na Rua Carneiro Lobo – bicho bom, bicho ruim – e só é visto à noite, na Pracinha do Batel.

Será um bom negócio para o turismo, e ainda salvamos uma praça em extinção!