A hora e a vez do Bicho Papão

Estamos vivendo sob o toque de recolher, com as pesquisas apontando o Bicho Papão como o Inimigo Público Nº 1 da insegurança. Muitos escritores já analisaram esse maligno personagem. Um deles o uruguaio Eduardo Galeano, que considera as mais famosas histórias infantis como obras terroristas, merecedoras de um lugar no arsenal das armas adultas contra as pessoas miúdas. João e Maria avisam que você vai ser abandonado pelos seus pais. Chapeuzinho Vermelho informa que cada desconhecido pode ser o lobo devorador. E a Gata Borralheira obriga você a desconfiar das madrastas e suas filhas.

Contudo, entre todos os personagens, o Bicho Papão é o que com maior eficácia ensinou a obediência e difundiu o medo nas hostes infantis. O Bicho Papão teve por modelo um ilustre cavalheiro, Gilles de Rais, que havia lutado ao lado de Joana d’Arc. Esse senhor de muitos castelos foi acusado de violar, torturar e matar as crianças errantes que perambulavam pelas suas herdades à procura de pão. Submetido à tortura, Gilles confessou centenas de infanticídios, com detalhados relatos de seus deleites carnais. Acabou na forca.

No Brasil as histórias da carochinha são de deixar os petizes de cabelo em pé, como nos relatam os contadores de histórias das páginas policiais. Mas apesar do Chapeuzinho Vermelho, com suas estatísticas, apontar o Lobo Mau como o principal agente do crime desorganizado, a maioria não tem nenhuma dúvida: é o Bicho Papão o responsável pela nossa insegurança urbana, a origem do toque de recolher.

Os costumes mudaram, o ilustre cavalheiro Gilles de Rais acabou na forca e, até a queda do Muro de Berlim, quem comia criancinhas eram os comunistas. Ao Bicho Papão há muito nos rendemos. Principalmente nos estádios de futebol, onde a impunidade das torcidas organizadas transforma qualquer garoto num mentecapto de barba na cara. Enquanto os pais, aflitos, advertem:
– Você gostaria de ser um Bicho Papão? Se não passar no vestibular, vamos te matricular numa torcida organizada!