Daqui, caro leitor, convido-o para receber em mãos a história de vida da escritora Maria Thereza Brito de Lacerda, ilustre lapiana (lapeana, com E, não é de inteiro agrado) que guarda uma grande frustração: não ter conhecido pessoalmente o escritor Monteiro Lobato, de quem foi vizinha e filha espiritual.

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O livro A pedra do caminho, que será lançado às 19h30 de terça-feira na Livrarias Curitiba (Shopping Estação), tem no subtítulo a síntese de rica trajetória: “Histórias de viver e reciclar”. E se daqui lhe faço esse especial convite é porque Maria Thereza Lacerda, 82 anos, é uma pessoa muito especial, de especial escrita, com uma especial história.

Para lhe provar a especialidade, caro leitor, transcrevo aquela frustração de como a menina da Lapa não conheceu Monteiro Lobato na Rua Alabastro, apesar de filha por parte de livros: “Naquele ano de 1942, instalados em São Paulo, enfrentávamos alguns racionamentos, como o de gás e o de gasolina.

O gasogênio era o combustível usado, e as dificuldades para colocar em marcha o novo sistema constituíam um teste de paciência para os motoristas. Quanto ao gás de cozinha, os inquilinos anteriores quase não comiam em casa e, em consequência, a nossa cota era mínima. Minha mãe, acostumada a cozinhar feijão todos os dias, na panela de ferro e no fogão a lenha, foi obrigada a improvisar um fogareiro a carvão no quintal, aonde se chegava por uma escada de muitos degraus. E a nossa devotada empregada ficava correndo da cozinha para o quintal, descendo e subindo e se esbofando para que o feijão não queimasse”. (…) Certa manhã, quando eu esperava impaciente o almoço, alguém, talvez o meu cunhado, falou despreocupadamente: “Está vendo a casa lá embaixo? Ali mora o Monteiro Lobato. Meu coração disparou. Tentei localizar melhor, mas só via os fundo de uma casa, se não me engano, pintada de amarelo”.

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O nome mágico, pronunciado o acaso, trouxe a memória da Lapa, quando aos sete anos, já alfabetizada, ela recebia livros através do Reembolso Postal. Na estante verde do quarto de criança ficavam os livros infantis e a coleção lobatiana, certidões de batismo da filha de Monteiro Lobato.

“Em 1942, queria contar um pouco da vida de criança a Monteiro Lobato. Eu tinha plena liberdade para sair, ainda mais para ir tão perto da nossa casa. Mas apenas me decidia, começava a suar frio, o estômago apertava e eu perdia a coragem. A timidez me tolhia. (Seria apenas a timidez, me pergunto hoje, ou receio de parecer muito infantil?) Se tivesse pedido para minha irmã ou meu cunhado, certamente eles teriam me levado até o escritor. A inibição foi mais forte. Da Rua Diamante, onde morávamos, não consegui chegar até a Rua Alabastro”.

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Maria Thereza não chegou à Rua Alabastro, mas foi bem mais longe. Menina moça, a bordo do navio Provence chegou a Paris: “Quando ganhei a bolsa-prêmio da Aliança Francesa, tive que vencer a ferrenha oposição materna. Se nem mesmo ao cinema eu ia desacompanhada, a perspectiva de uma viagem à Europa parecia impossível.

Os perigos, entre outros não confessados, seriam: pegar gripe, ser abordada por desconhecidos pouco recomendáveis, comer mal, passar frio. A tradicional família tremeu nas bases, mas eu resisti às chantagens emocionais e venci as resistências”.

Filha de Monteiro Lobato, escritora é: das principais obras, Maria Thereza escreveu Subsídios para a história do teatro no Paraná, A magia do Casarão, Cartas da minha cozinha e, já na terceira edição, Café com Mistura, um clássico da literatura paranaense. Deste livro, convém lembrar, Thereza enviou os originais para a Editora Codecri (dos grandes tempos do Pasquim) e foi editado imediatamente, tornando-se um sucesso em todo o Brasil.

Caro leitor, este é um convite especial, para quem gosta de histórias especiais. Coloque esse livro no seu caminho.