A escritora que foi sem nunca ter sido

Morreu o advogado Saulo Ramos. Ex-ministro da Justiça  de José Sarney, nos deixou no livro “Códigos da vida” a revelação de uma ação judicial que o ex-presidente Jânio Quadros (“Eu nem conheço essa mulher!” – ele esbravejou com muito palavrões) pediu para mover contra Adelaide Carraro (1936-1992), popular autora (agora suposta) com mais de quarenta livros e dois milhões de exemplares vendidos. Entre eles “Eu e o governador”, obra que envolve vários políticos de fama nacional, dos quais a dita escritora teria sido, segundo consta, amante de todos.

O processo caiu nas mãos do juiz Edmond Acar, acostumado a dizer alguns palavrões nas audiências, tanto para as partes, como para advogados e para o promotor. Veio o dia da audiência, ele grita para Adelaide Carraro:

– Você fique de pé. Na minha vara, puta não senta!

– Excelência!Solicito, por favor, que minha cliente seja respeitada!– disse o advogado de defesa.

– Estou tratando sua cliente, meu caro doutor, da mesma forma como ela tratou as pessoas que incluiu nesse livro infamante! E com o mesmo vocabulário! Se o senhor quer, pode ditar seu protesto diretamente ao escrevente.

O advogado ficou em silêncio, enquanto o juiz pergunta à ré:

– Quem escreveu esse livro para você?

– Eu mesma – respondeu ela com convicção.

– Muito bem!Pode sentar-se.

E mandou entregar à escritora um papel em branco e uma caneta esferográfica. Pegou o livro, abriu-o numa página qualquer, deu-o à interrogada e mandou que ela lesse as dez primeiras linhas da página aberta. Em seguida, recolheu o livro e ordenou:

– Agora, escreva nesse papel o que você acabou de ler. Não é preciso escrever exatamente, mas escreva o que lhe vier na memória.

Adelaide Carraro olhava o papel, com a caneta na mão. E nada. Passaram-se longos minutos. A sala, em silêncio. O juiz ficou folheando o livro e, de vez em quando, olhava para ela. Nada. Nenhuma linha.

Subitamente, o juiz deu um estrondoso tapa na mesa e perguntou aos berros:

– Quem escreveu esse livro para você?

– Acindino Campos! – respondeu Adelaide Carraro, já apavorada.

– O que ele faz?

– É jornalista.

O juiz, com ares de vitorioso, olhou em volta e disse:

– Estão vendo? A polícia bate, tortura pessoas para obter confissões. Aqui, o réu confessa apenas sob um tratamento psicológico adequado.

O juiz mandou extrair do livro apenas o capítulo referente a Jânio Quadros e permitiu a circulação do livro com as demais vítimas, porque nenhuma delas havia pedido proteção judicial.