A conta de luz do João da Silva

Dos governadores paranaenses mais viajados, fascinante turista era Bento Munhoz da Rocha Netto. Com sua bagagem intelectual, Bento era um líder globalizado pelo espírito, não precisava passar uma semana em Nova York para se mostrar cosmopolita.

Reverso do arrogante, o ex-governador tinha convicção intelectual de que a mais pura sabedoria escuta e respeita as diferenças. Isso sem pregar que vivemos num mundo diferente dos outros: “Achamos que as nossas coisas, pelo fato mesmo de serem nossas, são essencialmente diferentes das demais” – escreveu Bento, ao contar a história da nascente de João da Silva.

“Um dos orgulhos de João da Silva era a nascente que tanto lhe valorizava a propriedade. Pois foi numa das nossas excursões à nascente que eu lhe disse ser toda a água constituída essencialmente por dois gases, o hidrogênio e o oxigênio”.

João da Silva não concordou:

“Podia ser que, nos laboratórios das cidades, a água fosse aquilo, mas a da sua nascente, cristalina e gostosa, era água, mesmo”.

Bento, em vão, insistia. Era o confronto entre o intelectual e o homem vivo e vivido: “João da Silva, sereno, macio, paciente, replicava que assim podia ser na Europa, onde a vida era apertada, onde o homem havia vencido a natureza, onde cada árvore tinha nome e os terrenos se mediam por metros”.

Bento Munhoz da Rocha Netto não convenceu João da Silva.

Meio século depois, onde estará agora o João da Silva? Talvez tenham enterrado o seu coração numa curva do Iguaçu. Pode anda estar vinho da silva. Se assim for, o que ele deve estar dizendo deste aumento de 24,86% na conta da luz? O que antes caboclo tinha límpida e de graça na sua nascente, hoje cobram os olhos da cara pelos o hidrogênio e o oxigênio transformados em eletricidade.

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Dante Mendonça está de férias. Vale a pena ler de novo suas crônicas.