A concórdia é tricolor

?Mineiro só é solidário no câncer?. A frase foi celebrizada por Nelson Rodrigues na peça Bonitinha mas ordinária?, dita por um dos personagens que atribuía a frase ao intelectual Otto Lara Resende, o mineiro que jurava nunca ter dito nada parecido, mas assim ficou. Parafraseando Lara Resende – ou Nelson Rodrigues? – diria que o ?paranaense só é solidário com o Paraná Clube?.

Deu para constatar essa manifestação de solidariedade nesta quarta-feira à noite, quando o Flamengo bateu o tricolor da Vila Capanema. No bar onde assistimos ao jogo, os telespectadores caberiam numa Kombi e ali estava representado – como diria o ilustrado político – o arco da sociedade: tinha engenheiro, estudante, advogado, comerciante, sindicalista, artista, aposentado, dois garçons e um paranista. O que seria uma estatística da torcida paranaense: entre dez torcedores, um deles veste a camisa do Paraná Clube. Ou estou redondamente enganado, Ernani Buchmann?

Exceto o paranista, de resto todos comungavam um sentimento de solidariedade: não tinham motivos para torcer, mas torciam contra o Flamengo, na esperança de o Paraná Clube virar o jogo, ou empatar na prorrogação.

?Não quero tripudiar sobre ninguém. Junto a isto um insanável sentimento de simpatia, que me domina, por todos os decaídos? – confessava Otto Lara Resende, numa frase que pode explicar o único fio de cabelo que une as torcidas do Coritiba e Atlético Paranaense. Ou seja, coxas e rubro-negros têm a convicção de que o Paraná Clube é um adversário de estimação, o caçula enjeitado de uma família que tem apenas dois herdeiros destinados à fortuna. É um preconceito que vem desde os tempos do velho Ferroviário. É uma falsa percepção, porque o ?futebol é uma caixinha de surpresas?, o tricolor não está em decadência – a reforma do estádio comprova -, entretanto justifica aquela premissa: ?O paranaense só é solidário com o Paraná Clube.?

De resto, a torcida paranaense está dividida. Tudo nos desune, tudo nos separa, porque ?abraço e punhalada a gente só dá em quem está perto? – e eis aqui outra vez o grande frasista Otto Lara Resende. E tem outra do sábio mineiro: ?Minas está onde sempre esteve..

O Paraná também está onde sempre esteve: no Parque Barigüi, numa margem do lago os que exigem o despejo dos jacarés; na outra, os que defendem a permanência -mas são solidários com o Paraná Clube. No Centro Cívico, o prefeito quer soltar os jacarés no colo do governador; e o governador quer ver o prefeito na boca do jacaré -mas são solidários com o Paraná Clube.

No interior, a soja transgênica é a salvação da lavoura; na capital, o governo exige produtos naturais – mas são solidários com o Paraná Clube, que perdeu para o Flamengo no mesmo dia em que o presidente Lula anunciava um paranaense para o ministério da Agricultura: o deputado federal Odílio Balbinotti, o maior produtor individual de sementes de soja do Brasil.

?A tocaia é a grande contribuição de Minas à cultura universal? – está de volta Otto Lara Resende para lembrar ao novo ministro que os mineiros sempre tiveram forte influência na cultura paranaense, desde os tempos dos tropeiros que faziam o trajeto Viamão, Sorocaba, Minas Gerais.

?Texto de jornal é estação de trem depois que o trem passou. Deixou de ter interesse? – o jornalista Otto Lara Resende reconhecia – entretanto, a imprensa tirou do arquivo do Supremo Tribunal Federal um processo de 2006, sob o n.º 63627, onde Balbinotti é réu, acusado de falsidade ideológica e falsidade documental. O caso corre em segredo de justiça.

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Os paranaenses estão de tocaia, ministro. Seria a hora de vestir a camisa tricolor da Vila Capanema. Lembre-se, ministro: ?O paranaense só é solidário com o Paraná Clube?.

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