A cidade com Sol

Existe Sol em Curitiba? O escritor Manoel Carlos Karam dizia que este é um tema de tese. Enquanto os doutos da universidade não se manifestam, fica estabelecido o dia de ontem como parâmetro para as discussões. Em grande estilo, o Sol nos deu a honra de sua ilustre presença e foi tomar sorvete no shopping, porque ninguém é de ferro.

Para fins estatísticos, a Moça do Tempo nos disse que a temperatura ontem em Curitiba chegaria a 30 graus. No entanto, o que as nossas axilas exalaram foi uma temperatura bem além dos 33 graus, com o Sol passeando faceiro pela cidade.

“Uma cidade sem mar”, perguntava o escritor, “é obrigatoriamente uma cidade sem Sol?”. Para esclarecer essa questão climática, entrevistamos Manoel Carlos Karam, que está passando a temporada de verão no balneário das Gaivotas Celestiais.

Pergunta: Como você já questionou, com ano de duas estações, inverno e rodoferroviária, Curitiba não tem direito a Sol?

Karam: Em Curitiba não há Sol no inverno, mas há Sol na rodoferroviária. Um enorme Sol pintado na traseira dos ônibus da Graciosa, a empresa que tem linhas de Curitiba para o litoral. O curitibano leva o Sol nas costas ao fazer o trajeto Curitiba-Atlântico.

Pergunta: Quando o Sol aparece em Curitiba, como nos últimos dias, é um cenário criado pelos arquitetos do Ippuc ou é um Sol de verdade, igual àquele da Bahia?

Karam: Não é o mesmo Sol que bronzeia o cabo da enxada durante o feriado dedicado a carpir o quintal. Esse Sol que bronzeia de fato é aquele do qual os veranistas do velho Bar do Pasquale, no Passeio Público, reclamavam que esquentava a cerveja. Hoje os veranistas mais jovens reclamam da mesma cerveja quente do Sol no Parque Barigui.

Pergunta:
Então esse Sol é nosso velho conhecido? Não é uma miragem criada pelos publicitários que atendem a prefeitura desde o tempo do Jaime Lerner?


Karam:
É o mesmo Sol que bate no roxo dos quiosques da Rua das Flores e quem olha de fora vê curitibanos bronzeados segurando copos de chope e caipirinhas, além do palito para espetar a linguicinha.

Pergunta:
Você já escreveu um belíssimo ensaio sobre Curitiba (Edições leitE quentE) chamado Cidade sem mar. Sendo assim, como você justifica a presença do Sol aqui no Primeiro Planalto, nesta cidade sem mar?


Karam:
Vou repetir o que escrevi: “Certa vez um cidadão curitibano descobriu maravilhado que a cidade tem mar, e que o mar fica nos fundos de uma peixaria”. Portanto, esta questão é relativa. E digo mais: “Pobres infelizes que não percebem a desimportância do banho de sol à beira do mar existindo o banho de lua à beira de Curitiba”.

Pergunta:
Nos fins dos anos 50s, o curitibano ia para a praia no inverno. Não que isso fosse uma predestinação, você dizia: “É que os mosquitos costumavam veranear no verão, o que afastava peles sensíveis, que preferiam veranear no inverno”.

Karam: Naqueles antanhos, os curitibanos mais chiques passavam a temporada de inverno na Ilha do Mel, com as madames desfilando seus casacos de pele nas Encantadas. Uma gente civilizada, comparando com
o que acontecia em Santa Catarina. Em Floripa, o banho de mar chegou a ser proibido, era um crime contra as posturas, capitulado no artigo 86 do Código de Posturas Municipais.

Pergunta:
Dizem que o sol nasceu para todos, mas em Curitiba ele só aparece para quem chega cedo ao Parque Barigui, porque a fila é grande.
Com tal escassez solar, não seria o caso de a prefeitura criar um sol artificial para a Copa 2014? Se vamos ganhar o metrô, um Sol perene seria o de menos.

Karam:
A ideia até já foi colocada no papel. Com sol artificial, o Parque Iguaçu poderia ter virado a praia de Curitiba. Mas faltou um detalhezinho ao projeto e tudo foi por água abaixo. O detalhezinho de lançar alguns caminhões de sal naquelas águas terrivelmente adocicadas.

Pergunta: Olhando do alto desse azul celeste, o que lhe parece Curitiba com Sol?

Karam: Melhor do que Curitiba com Sol, só mesmo Curitiba com sal.