A cara da cidade

Um grande time de fotógrafos abriu uma imperdível mostra fotográfica: Filhos de Curitiba. Personalidades que, no entender dos 11 artistas, simbolizam a cidade.A mostra vai até o final de outubro e, nesse tempo, seria divertido fazer uma aposta antes de ver os retratos: quem, no seu jeito de ver, tem a cara de Curitiba?

O colunista Ancelmo Gois (O Globo) semanalmente pergunta a um dos entrevistados quem é a “cara do Rio”. Não é preciso pensar muito. A maioria responde que o Rio de Janeiro tem a cara do Tom Jobim. Se estendêssemos a pergunta para Curitiba, quem tem a cara da cidade?

Cada qual enfoca a cara da nossa gente de maneira própria, e imagino o dilema dos fotógrafos Andrea Paccini, Daniel Katz, Denis Ferreira Neto, Jader da Rocha, Júlio Cesar Souza, Manoel Guimarães, Mauro Campos, Naideron Jr., Rafaela Tarlé, Roberta Sprenger e Sossela, com a exposição do restaurante Mediterrâneo, no Shopping Barigui.

Digo dilema porque, em 1984, junto com o cartunista Claudio Seto, realizamos uma mostra semelhante. Com uma diferença de leitura: eram caricaturas de curitibanos. Seto escolheu vinte “filhos de Curitiba”; outros vinte ficaram ao meu critério.

Não lembro o nome de todos. Lembro que para escolher essas caras de Curitiba não foi fácil. Lembro ainda dos primeiros nomes que me vieram à cabeça: René Ariel Dotti, Félix do Rego Almeida e Maurício Fruet.

Refazer a lista, 25 anos depois, seria um belo exercício de afeto pela cidade. Quem tem a cara de Curitiba?

Assim como o Rio de Janeiro tem a cara de Tom Jobim, apesar de o maestro ser gaúcho da cepa, o primeiro nome a abrir o rol de notáveis curitibanos é Dalton Trevisan. E não é porque muitos sentem que a cidade é Vampira, tem a cara do Vampiro. Muito menos porque insistem em fazer sempre o mesmo clichê do curitibano: o estereótipo do frio, arredio, distante, cara de poucos amigos, pouco riso, muito siso.

Dalton Trevisan tem a cara de Curitiba porque, se permite Jamil Snege, o ideal do curitibano é tornar-se invisível. E existe alguém mais invisível do que Dalton subindo ao Alto da XV com um boné na cabeça e uma sacolinha de compras na mão? Todo o mundo sabe que é o próprio Vampiro, todo o mundo sabe onde é o seu castelo, todo o mundo sabe quem é ele. Mas ninguém o incomoda, ninguém ousa se aproximar, ninguém o vê. É invisível.

Vamos em frente, deixemos o invisível em paz. Quem mais tem a cara de Curitiba?

A jornalista Rosy de Sá Cardoso. Num sábado, fomos a São Luiz do Purunã em caravana. Na partida, a decana da imprensa paranaense nos diz: “Não sei por que estou indo! Com licença de Nelson Rodrigues, eu sou uma flor do asfalto! Adoro a fumaça de veículos, gosto de me ver rodeada de prédios, para mim as ambulâncias soam como música e, vocês já repararam, os automóveis já não buzinam tanto quanto antes. Sinto falta das buzinadas!”.

Rosy é a cara de Curitiba: mesmo avessa ao campo, levou um caniço retrátil para pescar qualquer coisa no lago da pousada. E o caniço ela comprou na China, bem coisa de curitibano.

Nascido em Paranaguá, Luiz Geraldo Mazza tem a cara de Curitiba. Se considerarmos, então, que a cara de Curitiba também é o ônibus Expresso,
a mais perfeita tradução da cidade seria retratar Mazza lendo o jornal dentro do ônibus, indo e vindo de casa. E se alguém puxar qualquer assunto referente ao planejamento urbano de Curitiba, pelo discurso crítico, outro não é: é o Lulu, a feição de Curitiba.

Helena Kolody, embora nascida em Cruz Machado, era outro rosto curitibano. E que belo rosto! Poeta vai, poeta, vem, de Curitiba Alice Ruiz o rosto tem. Mesmo ausente, morando em São Paulo, carrega na face a Cruz do Pilarzinho. Poeta não tem tatuagem; tem cicatriz. E Curitiba é cicatriz de Alice, a vencedora do Jabuti 2009, o prêmio mais importante de literatura brasileira, com o livro Dois em um.

Parabéns Alice, a cara de Curitiba.