Ainda que tarde, a Câmara dos Deputados liberou a publicação de biografias, devolvendo aos escritoresa liberdade de expressão. A chamada emenda Caiado acaba com censura prévia, permitindo ao mesmo tempo que o biografado ou herdeiros recorram a juizado de pequenas causas, pedindo reparação de erros.

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A euforria chegou em boa hora, pois acaba de ser lançada na Espanha a biografia de Manfred von Richthofen (1892-1918), o célebre Barão Vermelho – o piloto de combate mais famoso de todos os tempos. Com a publicação de sua extensa biografia, El avión rojo de combate (600 páginas), de J. Eduardo Caamaño, cai por terra a imagem romântica daquele piloto charmoso que se caracterizava pela cor vermelha, do avião ao cachecol, que fazia dele personagem temido e admirado não só do cinema, como também das histórias em quadrinhos.

O sonho acabou, diria o cartunista Charles Schultz – que vez ou outra botava um cachecol vermelho em torno do pescoço do Charlie Brown para nos fazer voar.

Na biografia, o retrato real de von Richthofen era de um jovem militarista, arrogante, ambicioso e cruel. Com sede de glória, com muito arrojo técnico e nenhuma compaixão, começou sua carreira de piloto de caça aos 23 anos e morreu aos 25 com um balaço na cabeça, em pleno voo. Para o Barão Vermelho, cuja imagem sanguínea em meio a uma chuva de balas era a última visão do inimigo, o avião de caça era a extensão de sua própria casa, onde se entregava desde menino à paixão fanática por animais. No ar era um falcão implacável, com sede de sangue, confessava von Richthofen: “Sou um caçador por natureza. Quando eu abato um piloto inglês, minha paixão pela caça se acalma por pelo menos 15 minutos”.

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Sua obsessão pelas caçadas aéreas era tão grande que decorou sua casa com restos dos aviões abatidos: “Os caçadores necessitam de troféus” – se justificava, sem ao menos considerar que seu esporte predileto era matar seus semelhantes.

Cem anos depois do início da Primeira Guerra, pergunta a resenha do jornal El País: se Manfred von Richthofen tivesse sobrevivido, qual seria o seu papel ao lado de Hitler? Seria ele muito superior a Goering, ou teria ele a missão de seu primo Wolfram von Richthofen, que foi chefe da Legião Condor? Na morte do Barão Vermelho, no dia 21 de abril de 1918, uma única bala evitou que o von Richthofen mais famoso fosse o comandante do ataque aéreo que devastou Guernica. Seria inimaginável o Barão Vermelho posando para uma obra de Picasso.

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Em boa hora nos vimos livres da censura prévia de biografias. Se assim não fosse, Suzane Louise Von Richthofen – filha de Manfred Albert von Richthofen (sobrinho-neto do piloto) e Marísia von Richthofen, ambos assassinados por Suzane em São Paulo -, como descendente da nobre família alemã, se veria no direito de embargar a edição brasileira da biografia do Barão Vermelho de alma negra.