O jornalista e escritor Edilson Pereira acaba de lançar seus dois novos livros: O Português os olhos verdes Uma Mulher muito perigosa – no formato “dois em um”. Os romances têm como protagonista o detetive curitibano Lindomar Stenzel, criação do próprio Edilson, uma mistura romântica dos galãs do cinema noir e o Vampiro de Curitiba.

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Confira abaixo o bate-papo com com o escritor.

A literatura policial é seu “carro-chefe”, mas você também escreve poesia. Apesar das diferenças entre os gêneros, você caminha com naturalidade entre os dois. Por que você decidiu se dedicar aos contos policiais (que muitas vezes – e erroneamente – é considerado um subgênero)?

Eu não diria carro-chefe. Aconteceu de eu ter começado a publicar ao mesmo tempo em que fazia algumas séries sobre crimes para a Tribuna do Paraná e achei oportuno registrar em livro histórias que foram publicadas nas páginas do jornal e outras que havia escrito e estavam na gaveta. Durante muito tempo houve realmente certo preconceito com a literatura policial. Mas a cortina foi rasgada há tempo. No meu caso todos estes gêneros se cruzam porque de certa forma sempre estive entre eles. Há quinze anos me dediquei à dramaturgia e fui laureado duas vezes pela Funarte. Tenho doze peças. Mas por volta de 2005 eu já acumulava contos do gênero crime e mistério suficientes para publicar um livro. E publiquei em 2012 “Uma profissão tão antiga quanto a tua”. Por volta de 2007, a Tribuna se interessou por folhetins. Escrevi o primeiro, A Dama do Largo da Ordem, que começou a ser publicado em 2010. Animado com a publicação, escrevi mais quatro. Depois, com o fim de O Estado do Paraná, passei a escrever histórias de crimes e paixão tiradas da vida real. As séries tiveram boa repercussão, a vida real alimentava a ficção. E foi assim quase naturalmente que o trabalho evoluiu nesta direção.

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Os livros têm como protagonista Lindomar Stenzel. Curitiba é habitada por diversos personagens míticos, desde vampiros a super-heróis e Stenzel também faz parte desse cenário. Como surgiu a ideia de criar um detetive tipicamente curitibano?

Eu acho que estes personagens míticos surgem porque o curitibano comum é discreto. Até o curitibano incomum, talvez seja discreto, mas como ele desenvolve uma atividade em que fica exposto ele se torna “incomum”. Vejamos: o Dalton Trevisan é o Vampiro de Curitiba. É um sujeito discreto. O Claudio Seto, que foi chamado de Samurai de Curitiba, era também um sujeito muito discreto. O Valêncio Xavier, que foi chamado de Frankenstein de Curitiba pela Folha de São Paulo, embora às vezes propositalmente espalhafatoso, era discreto. Até o Oil Man, ele não é indiscreto porque anda nu de bicicleta pela cidade. Mas tente olhar para ele: é um sujeito tímido e com aparência assustada o que torna a sua nudez ainda mais escandalosa. Ao criar um detetive em Curitiba, não poderia ter como modelo um policial qualquer, mas um cidadão com este perfil: discreto ao máximo. Eu pensei num sujeito misterioso e zeloso de sua privacidade como Dalton Trevisan, passeando incógnito e desejando não ser incomodado. Eu queria um detetive daquele jeito. Esta é razão de a primeira história de Lindomar Stenzel começar justamente quando ele se encontra aposentado, enfurnado num escritório sem querer ver ninguém. Para as histórias que vieram depois eu tive que me virar, fazendo dele um Humphrey Bogart meio parecido com o Valêncio Xavier.

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Você retrata com frequência o universo “barra pesada” de Curitiba, algo muito próximo ao que João Antônio fazia. Por que o submundo – escondido entre pequenas portinhas de hotéis e clubes – desperta tanto fascínio?

Todos os dramas interessam, mas nem todos são divulgados ou conhecidos. Todas as tragédias alimentam a criação, não apenas a literária, mas também cinematográfica. Ocorre que no Brasil ainda há muitos pobres ,e estes bolsões de miséria criam ambientes barras pesadas. Este é um aspecto. Há também tragédia na classe média e classe alta. Não com a mesma frequência. Alguns casos na alta sociedade ficam abafados e o acesso às informações é mais difícil. Agora estes são apenas aspectos de uma mesma questão. O submundo e a alta sociedade têm canais de comunicação. O que se chama de “à margem da lei” acontece quando as pessoas deixam de agir de acordo com as normas civilizadas. E isto acontece em todas as camadas sociais. No submundo têm barras pesadas, mas também tem os bacanas, que, muitas vezes, como na pirâmide social, são os que comandam todo o negócio. Muitas vezes quando se fala em “ambiente barra pesada” na realidade está falando apenas da franja de um problema e não dele todo.

Agora a segunda parte de sua pergunta: as pessoas sentem fascínio pelo submundo também não é por algo específico. Para alguns, é a chance de ganhar mais dinheiro, mesmo sabendo dos riscos. Neste caso o fascínio é por dinheiro. Há os que gostam de viver perigosamente. Neste caso é a atração pelo perigo. Há os que caem por estarem doentes, como o caso dos drogados. Neste caso, é para manter o vício tem que viver de expedientes criminosos. Muitas garotas são atraídas porque há um mundo fascinante, de prazeres sem limites, de sujeitos aparentemente poderosos que da noite para o dia aparecem com carrões, dinheiro e viagens internacionais. Neste caso, é uma mistura de atração pelo poder e pelo prazer de viver no luxo. Muitas garotas ansiosas pela fama não percebem que estão entrando na porta errada, para o submundo do crime. O submundo, é bom que se diga, é feito de portinhas pequenas com luzes vermelhas em hotéis e clubes, mas não só disso. É feito também de iates, mansões e carrões. Talvez a facilidade com que se chega a esta segunda parte exerça mais fascínio do que aquelas “pequenas portinhas de hotéis e clubes”.

Existe alguma “pesquisa de campo”?

Veja bem os casos destes dois livros que estão saindo em um só volume: “Uma mulher muito perigosa”, que foi publicado em capítulos na Tribuna com o nome de “O Pavão Tatuado”, é na realidade a transposição do enredo de “O falcão maltês” para Curitiba. Foi uma adaptação assim como o filme de faroeste “Sete homens e um destino” fez com o filme japonês “Os sete samurais”, o que não impediu de ambos se transformarem em clássicos. No caso de “O português dos olhos verdes”, houve pesquisa, mas a história começou a partir de dois episódios: a compra de um livro de 1766 num sebo em Curitiba em outubro do ano passado. O livro é a versão para o alemão de “Metamorfoses” de Ovídio. Como chovia, eu fiquei conversando com a dona do sebo e ela me contou uma história curiosa. Ela comprou o acervo que pertenceu a um português, que morreu com 96 anos e cuja mulher queria se livrar daquilo rapidamente. A compra foi por um preço ínfimo. Ao chegar em casa e verificar com atenção o conteúdo de caixas de livros, máquinas fotografias, ela encontrou latas lacradas. Quando foi abrir, descobriu que eram dentes de ouro. Muitos dentes. Ela fez expressão de mistério: de onde este português tirou estes dentes? E porque ele tinha livros alemães? Eu procurei responder a pergunta escrevendo o romance. Claro que pesquisa é necessária, mas o que deflagrou a história não foi ela. A pesquisa no caso é acessória.

Aos poucos, a literatura policial ganha o reconhecimento e o espaço merecidos nas editoras e no próprio mercado. Esse incentivo tem se transformado em bons frutos no Brasil?

Existem muitas pessoas escrevendo historiais policiais hoje no Brasil. Quem começou a escrever histórias policiais com qualidade no Brasil até onde sei foi Rubem Fonseca a partir dos anos 60. Ele traduziu bem o gênero para a nossa realidade. Depois vieram outros. Mas não sei se existem pessoas escrevendo o suficiente para dizer que já existe uma literatura policial brasileira. Este gênero, assim como outros, se ressente de um problema crônico: o brasileiro de uma forma geral lê pouco. ,Eu acho até que antes, dos anos 50 aos anos 80, havia uma massa maior de leitores de livros de bolso e isto beneficiava a literatura policial que por muito tempo foi considerada subliteratura. Em todo caso, a oferta sempre acompanha a demanda. Veja o caso argentino, onde se lê mais, os livros de crime e mistério criaram reputação mais cedo: Jorge Luís Borges e Adolfo Bioy Casares criaram em 1945 a coleção de livros de literatura policial para a Editora Emecê chamada O Sétimo Círculo que durou até 1983. Foram publicados centenas de livros de bolso de bons autores. As capas eram ilustradas por José Bonomi, artista cubista argentino. A dupla Borges-Casares já tinha escrito em 1942 o que seria considerado o primeiro livro de contos policiais em espanhol: “Seis problemas para Don Isidro Parodi”. No entanto, descobriu-se há alguns anos que Robert Arlt escrevia histórias policiais em Buenos Aires a partir de 1928. Aqui no Brasil as primeiras histórias nos chegaram de forma mais sistemática na revista X-9 através da tradução dos contos publicados na pulp fiction americana. Os livros de bolsos publicados nos anos 50 e 60, até com certo sucesso, quase sempre ignoravam grandes autores do gênero. Tem muito barulho, mas não sei se há muitos leitores.  

 Apesar desse bom momento, escritor de literatura policial ainda precisa caminhar pela publicação independente?

 A questão da produção independente está amarrada ao perfil do mercado editorial brasileiro. Claro que se um editor tiver que optar entre um grande sucesso estrangeiro, que chega ao país acompanhado de resenhas de grandes jornais e revistas internacionais e um barulho que garanta maior poder de atração do leitor nas livrarias ele não vai investir num autor que não conhece. Claro que se um sujeito com visibilidade, como Nelson Mota e Jô Soares, escrever uma história policial, qualquer editora vai ter interesse em publicá-la porque o autor é notoriedade e desperta curiosidade e interesse. Se o livro for bom, melhor ainda. Sem contar que vamos encontrar em várias editoras os selos da Série Negra. Estes selos são feitos para leitores que gostam de livros de mistério e crime, normalmente recheados de autores estrangeiros consagrados e boas histórias, para garantir atendimento a um nicho de mercado. Se um sujeito ganha um concurso ele tem mais chances. Se ele não tem ninguém, ele vai ter muitas dificuldades. Todo autor novo ou desconhecido, assim como ocorre em outros gêneros, vai ter pela frente algo análogo ao caso de um garoto que deseja jogar futebol e bate na porta do Real Madri com um par de chuteiras nas mãos. Ninguém vai olhar para ele. E isto não tem muito a ver com a qualidade do livro. O editor é um comerciante. Ele vai apostar naquilo que tem mais chances de vender. E quanto mais vender, para ele, melhor. Se for bom ou ruim para ele é detalhe secundário. Por isso que um autor novo ou pouco conhecido que deseja ser publicado tem que se virar. E a produção independente está aí para isso. O problema da produção independente é encontrar espaço nas prateleiras das livrarias dominadas pelas grandes editoras. Tem uma cota anoréxica que não dá para o começo. Tudo o que se falou do editor, pode ser dito de novo a respeito do livreiro. É o jogo.  

Existe algum autor contemporâneo que lhe chame a atenção?

Eu começaria respondendo o contrário. Existem muitos autores consagrados que não me chamam atenção porque são chatos. Muitos estão vivos. São famosos, ricos e chatos. Qualquer autor novo pode chamar atenção desde que escreva bem. Um que gostei bastante foi Vachss Andrew que escreveu um livro chamado “Piloto de Fuga”. O sujeito começa o livro assim: “Todo assalto precisa de um piloto de fuga. Não importa quão tranquilo seja o serviço. Se você não fugir com o dinheiro, não adianta nada”. Um bom livro não é complicado. Ele tem que pegar o leitor pelo colarinho e não largá-lo até que termine o livro. Vachss Andrew faz isso. 

Confira a resenha dos novos livros de Edilson Pereira.