“Escritores gostariam de ser jogadores de futebol”, diz Alejandro Zambra

Considerado uma das vozes mais importantes da literatura latino-americana atual, o escritor chileno Alejandro Zambra lança no final de maio o livro de contos Meus documentos (Cosac Naify, 224 págs., R$ 32,90), sua terceira obra publicada no Brasil. A escrita de Zambra é como um bonsai: concentrada e direta, mas profundamente reflexiva – o que explica a relação íntima que cria com seus leitores.

Para o autor, os romancistas têm nas mãos a possibilidade de ser múltiplo, plural, colocando de lado os lugares-comuns sem que, para isso, precise se desvencilhar do cotidiano urbano e real. Em um bate-papo exclusivo com a Contracapa, o autor de Bonsai e Formas de volta para casa fala sobre literatura, suas experiências e pessoas e a sua própria produção.

Meus documentos é um livro de contos, porém, seus relatos voltam a temas que se aproximam do que você fez seus romances. Em qual dos gêneros literários você se sente mais natural?

Não havia me feito essa pergunta. Escrevo poesia, sempre, por exemplo, é onde me sinto mais confortável, mas faz muito tempo que não publico. A verdade é que a maioria dos textos de Meus documentos eu escrevi durante o mesmo período. Eu tinha a ideia de juntar uns contos escritos antes, alguns inéditos e outros publicados, mas logo comecei a visualizar um livro novo, com contos maiores.  No entanto, um texto me levou a escrever outro, porque surgiu a ideia do livro. Tenho mais a sensação de ter escrito um livro que uma série de relatos.

E qual é o mais confortável?

Depende da quantidade de páginas para um conto ou uma novela, mas não penso em temros de gênero e extensão, porque isso não é meu resultado. Me concentro em algumas imagens e sigo, buscando o momento em que a ideia original muda, dá lugar a algo novo para mim.

Penso mais no sentido de uma obra, de um livro, e este livro apareceu em forma de fragmentos que poderiam chamar contos ou relatos, mas não sei se tenho uma ideia de conto, como gênero, ou de “romance”, ou de poesia como gêneros. Os gêneros são como camisas desconfortáveis, e escrever é como chegar ao momento em que a camisa é tua, tem a forma do teu corpo. É um processo intenso, onde o gozo e a dúvida coincidem.

 “Camillo” é um relato incrível sobre as relações entre um pai e seu filho. Para criar uma proximidade entre eles, você usa o futebol, ou seja, algo que parece estar longe da literatura. Como é possível conceber uma relação entre elementos tão distantes como o futebol e a literatura?

Obrigado! É um conto que gosto muito, sobre pais e filhos, como você diz, sobre o exílio e permanências, e também sobre Roberto Rojas e Alexis Sánchez.

Eu não acho que a literatura e o futebol sejam tão distantes. Como o tempo descobri que os escritores queriam ser jogadores de futebol ou roqueiros, e que se convertem em escritores porque não eram tão bons quanto o Zico ou como Caetano Veloso. No meu caso, quis ser jogadores, depois músico, assim, o futebol é a minha vocação original.

Acho que o melhor seria ser jogador e depois me aposentar como escritor. Seria uma maneira de alargar a juventude, porque aos 40 anos os jogadores já são muitos velhos e os escritores seguem sendo considerados jovens.

Uma vez você disse que escrevia um diário e que todos os dias estavam registrados ali. Qual é a relação entre as suas histórias e a sua própria vida?

O diário como gênero me interessa muito, em especial pelo que tem de incompreensível. Autobiografia e diário sejam, talvez, complementares, mas guardam diferenças tão radicais, tão significativas. Acompanhar um diário é aceitar toda classe de facilidades, é terapêutico e esgotador, ao mesmo tempo. Mario Levrero [escritor uruguaio] disse que é o gênero do aborreci,mento. E da solidão. Escrever uma autobiografia sempre é, em troca, um processo de validação, de legitimação. Eu não tenho pratico “em público” nenhum desses gêneros. Na escrita privada, sim. Parecem dispositivos valiosos, portas de entrada para a classe da escrita que interessa tentar.

Acredito que todos os romances são, de algum modo, autobiográficos, mas às vezes são o contrário de uma autobiografia. Os romances apostam na multiplicidade. A princípio, quando comecei a escrever poesia, penso que interessava filtrar a experiência. Desconfiava do “eu”, buscava uma experiência liberada de obrigações referenciais. E continuo desconfiando. Mas quando se escreve em primeira pessoa, você enfrenta uma confusão biográfica e tenta decifrá-la. Decifrá-la para si mesmo. “Divertir-se entre a alternância do nu e do disfarce”, dizia belamente [o escritor catalão] Jaime Gil de Biedma. Eu gosto dessa tensão.

Suas obras são pequenas em questão de número de páginas, porém são muito profundas e permitem a reflexão. Digo isso porque os romances do século XIX eram muito grandes e extensos. Você acha que os livros são cada vez menores por conta de uma tendência o porque os leitores precisam de textos curtos por falta de tempo de ler algo como Guerra e paz?

Não sei. Eu gosto dos “romanções”, textos grandes, como do Foster Wallace e Bolaño ou obras curtíssimas, como Ninguém escreve ao coronel [de Gabriel García Márquez] ou essa novela de Jack Kerouac, que se chama Os Subterrâneos. Não acho que se possa generalizar. Meus livros têm saído curtos, mas não faria disso uma poética.

Em Bonsai, você menciona Macedonio Fernández, mentor de Borges, mas obscurecido pelo aluno. Como é sua relação com a literatura latino-americana?

De começo, eu a busquei. É a literatura que melhor conheço e a que mais tenho desfrutado. Alguns dos meus autores favoritos são latino-americanos e muitos deles são chilenos. Me interessa ler meus compatriotas de país ou de continente. Mas não acredito tanto em mestres e discípulos. Meus verdadeiros mestres foram meus amigos e continuam sendo. Os amigos com quem se toma uma cerveja e comenta um texto, te devolve, com generosidade e exigência. Esse é o verdadeiro ateliê.

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