Morrissey se transformou em uma persona muito maior que a sua música – seja em carreira solo ou como frontman dos Smiths – tanto que não é difícil imaginá-lo como ponto-chave de um romance recheado por referências à cultura pop e ao próprio cantor. Isso é, justamente, o que fez o publicitário Leandro Leal, autor de Quem vai ficar com Morrissey?, livro que parte da separação de um casal para criar um cenário repleto da essência do ser humano: o desejo de amar e ser amado – sem precisar abandonar a sua própria personalidade. Confira agora a entrevista exclusiva com o autor. Leia também a matéria em comemoração aos 55 anos de  Morrissey.

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Como o Morrissey surgiu para você?

Sempre gostei de música, mas tinha um envolvimento superficial com ela. Gostava de muita coisa que a FM me apresentava, muitas coisas que a molecada da minha idade, na virada dos anos 1980 para os 1990, curtia. Mas, com 13 anos, minha relação com a música ficou séria. Meus ouvidos foram abertos a coisas que o DJ não tocava. Foi então que quis enforcá-lo, porque percebi que a música que ele tocava não tinha nada a ver comigo ou com a minha vida. Nessa época – por  ocasião de um acontecimento que utilizo no livro e, por isso, não vou revelar agora, para não dar spoiler –, vieram parar nas minhas mãos um walkman e fitas cassete com discos dos Smiths e do Morrissey. As tais canções que salvam vidas. Redefiniram não só meu gosto musical, mas minha visão de mundo. Como se não bastasse, inspiraram o primeiro livro que escrevi.

Muitos fãs de Morrissey e The Smiths contam que mergulharam na literatura graças às referências das músicas. Isso também aconteceu contigo?

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Não. Ao contrário do que acontece com a música, minhas preferências literárias têm pouco a ver com o Morrissey. Quer dizer, claro que meu interesse por Oscar Wilde vem do fato dele sempre ser citado pelo Moz, mas nenhum outro dos seus autores favoritos figura na minha lista pessoal. Por outro lado, o lirismo das letras dele me tornou uma pessoa, digamos, mais sensível e isso, sim, se reflete na forma como aprecio literatura e artes e geral – e também em como escrevo, claro.

Como nasceu a ideia de escrever o “Quem vai ficar com Morrissey?”? O desejo de ser escritor sempre existiu?

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Sempre gostei de escrever e sempre o fiz, na forma de contos e crônicas. Queria muito escrever um narrativa longa, mas me faltava uma boa ideia de argumento, que surgiu com o fim de um longo relacionamento. Por essa altura, ela gostava tanto do Morrissey e dos Smiths quanto eu – mas quem tinha apresentado as músicas para ela tinha sido eu. Então, me ocorreu: e se eu exigisse que ela não escutasse mais essas músicas, as minhas preferidas? Como numa separação total de bens, em que cada um fica com o que já possuía antes do casamento. Fazia sentido… mas não na vida real. E é para isso que existe a ficção. Escrevi um pequeno conto com esse mote e, diante da recepção positiva de quem leu, resolvi estendê-lo, transformá-lo num romance.

O que há de real e ficcional nas páginas do seu livro?

Tudo no livro é real, mesmo o que não aconteceu de fato e as pessoas que não existem fora daquelas páginas. Tudo parte de sentimentos e experiências que vivenciei, de histórias que me contaram, de pessoas que conheci. É realidade fictícia, ou ficção realista. Se é autobiográfico? Sim, mas apenas em parte. Como já disse, passei por uma separação como a que dá início ao livro. Além disso, o envolvimento do Fernando com a música dos Smiths se dá de um jeito muito parecido com o que aconteceu comigo.  

Morrissey sempre “pegava emprestado” trechos de livros, filmes e música para criar suas letras, você também se valeu desse processo para escrever o seu livro?

Quem lê meu livro se depara com uma porção de referências culturais. Mas isso não &e,acute; o resultado de um processo de criação consciente, que tivesse esse objetivo. É mais o jeito como penso, falo, organizo o raciocínio – sempre citando trechos de filmes, livros, músicas. E, da mesma forma que Morrissey não se furta a admitir suas influências, não vejo problemas em falar das minhas. Por exemplo, existe uma parte do livro que, ao terminar de escrever, me dei conta de que lembrava uma passagem de “O Apanhador No Campo de Centeio”. O clássico do Salinger é um dos meus livros preferidos, então, é quase certo que tenha ficado no meu subconsciente. Ao invés de apagar o que havia escrito ou, simplesmente, fingir que não sabia da semelhança, preferi incorporar a referência original ao texto – o que o enriqueceu, sem dúvida, e foi bem mais honesto.

“Quem vai ficar com Morrissey?” tem quê do “Alta fidelidade”, do Nick Horby, por conseguir combinar literatura, música e cultura pop. Essa influência – ou relação – entre as duas obras é proposital ou uma coincidência?

O Nick Hornby pode não ter inventado esse subgênero, que mistura cultura pop e relações humanas, mas é, sem dúvida, seu maior representante. Desde que “Alta Fidelidade” foi lançado, qualquer livro com essa abordagem passou a ser automaticamente comparado a ele. Com o meu, que, além de tudo, como “Alta Fidelidade”, também se inicia com uma separação, não seria diferente. Mas não vejo problemas. Como gosto muito do Nick Hornby e li vários dos seus livros, recebo as comparações como elogios. Mas, honestamente, não vejo muitas semelhanças entre o meu estilo e o dele.

Esse é o seu livro de estreia. O que podemos esperar a seguir?

No começo do ano, comecei a escrever outro livro e, embora já tenha a história e o seu desenrolar na cabeça, dei uma parada. Preciso me organizar para escrever, como fiz com “Quem Vai Ficar Com Morrissey?”. Se conseguir, espero  ter o livro terminado até o final do ano – sendo bastante otimista, claro. Não vai ser nada tão escancaradamente pop como meu primeiro livro, mas também vai ser bastante urbano, com muitas referências musicais e culturais. É assim que sei escrever.