O novo longa de Woody Allen, Homem irracional, pode ser visto como uma leitura a seu modo de Crime e castigo, de Dostoievski (1821 – 1881). No livro russo, Raskólnikov se debruça sobre as questões morais de se cometer um assassinato. O filme, Abe Lucas descobre em um crime a força que lhe faltava para viver.
Tanto em Homem irracional quanto em Crime e castigo, o assassinato é uma fuga e também um refúgio e, claro, a culpa que Lucas e Raskólnikov sentem pelo crime é o que os leva à falência moral. Um inocente quase é preso no lugar do professor de filosofia existencialista. Uma inspiração clara da obra de Dostoievski sobre o cineasta.
Não é a primeira vez que Woody Allen relê um clássico. Em Sonho de Cassandra (2007), a saga dos irmãos Terry e Ian – que também se veem às voltas com um assassinato – remete aos Irmãos Karamázov, publicado por Dostoievski em 1880. É possível ir ainda mais fundo e ver alusões ao mito de Caim e Abel.
O Imoralista
Abe Lucas (Joaquin Phoenix) é o amálgama controverso entre o homem culto, imoral e ogro. Recheado por uma angústia satreana, o professor de filosofia precisa se reencontrar. Sua vida sexual é um fiasco e ele só consegue volta à ativa após matar um juiz. O crime acontece depois que entreouve que o magistrado vai tirar os filhos de uma mãe.
Somente quando comete o crime é passa a viver em plenitude. Seria a banalidade do mal que tanto falou Hannah Arendt? Talvez, mas Lucas é um sujeito em descompasso. O caso que mantém com uma aluna, Jill (Emma Stone), é também a sua ruína. Aos poucos, ele se vê na necessidade de matar outra vez.
Por mais que explore questões que se repetem em suas produções, Allen conseguiu se reinventar e fazer algo à altura de Meia-noite em Paris (2011), mas com uma trama muito próxima a Match point (2005) e Crimes e pecados (1989). Os clichês existem e são vários, mas fazem parte de uma colcha de retalhos capaz de fazer o expectador refletir inconscientemente sobre quem ele mesmo é e qual a sua função em um mundo de vaidades e competição.
Literatura
A relação de Woody Allen com a literatura é longínqua. Ainda que seja conhecido por seus mais de 40 filmes, o cineasta tem alguns livros publicados e é responsável pelo prefácio da autobiografia de Ingmar Bergman (1918 – 2007). No Brasil estão disponíveis os livros Cuca fundida, Sem plumas, Adultérios e Que loucura!, todos pela L&PM.