Crítica: “Uma Rua de Roma”, de Patrick Modiano

Obcecado pela ocupação nazista na França, Modiano não se furta em usar o tempo na maioria de seus livros. Esse momento histórico serve como pano de fundo para que Guy Roland, um detetive particular, embarque em dos casos mais complexos de sua carreira: encontrar a sua própria identidade. Usando os clichês da literatura policial e o esquema cênico do cinema noir, o livro se desenvolve por meio de pistas falsas e pequenos acertos – que se juntam em um quebra-cabeça cult.

Guy Roland não é um sujeito comum. Envolvido com a emigração russa e com amigos da alta sociedade, ele precisa fugir da França para escapar dos exércitos de Hitler que apertam o cerco contra judeus e comunistas. Os desvios que a narrativa de Modiano promove – uma estratagema borgiana para iludir o leitor – deixam pequenas lacunas sobre o porquê de o passado de Roland estar envolto em tanto mistério.

Essas lacunas são, justamente, o fio condutor de Uma Rua de Roma. Mas é engraçado pensar que, ao contrário do que aparenta o título da edição brasileira, a trama se passa praticamente em sua totalidade em Paris. A rua italiana citada é a Rua das Lojinhas Obscuras, o nome original do livro. Esse “deslize” acaba por funcionar como mais uma pista falsa que só existe por aqui, em solo tupiniquim.

Psicologia íntima

O escritor japonês Haruki Murakami era de longe o favorito pelo Nobel. Novamente, não levou. Talvez por ser pop de mais, talvez por ser europeu de menos. A grande preocupação de Modiano com o Segunda Guerra está ligada às questões íntimas de ver seu país conquistado pelas tropas do Terceiro Reich.

Assim como Roland, Patrick Modiano escava em seus livros uma forma de se encontrar, dizer ao leitor quem ele próprio é e quem são os franceses. Existe, como é possível perceber ao longo de sua obra literária, que existe um orgulho maltratado e – logicamente – essa é uma questão a ser resolvida.

Até certo ponto, a catarse promovida pela escrita de Modiano tem o mesmo efeito que uma análise. Não é difícil pensar no autor deitado no divã enquanto relembra os piores dias de seu povo e tenta lutar com a culpa de não ter feito nada para evitar a catástrofe que por pouco não se abateu sobre a nação de Rimbaud. O alívio, quem sabe, está no fato de que Modiano nasceu pouco depois da rendição alemã.