Quando Salman Rushdie recebeu o fatw? do aiatolá Khomeini, o escritor de Versos satânicos (1988)precisou viver escondido por mais de uma década para não ser assassinado por extremistas islâmicos. Pouco depois de receber o Nobel, o escritor peruano Vargas Llosa afirmou que a literatura é uma arma magnífica contra injustiças. Já enfant terrible Michel Houellebecq fez de seu Submissão (Alfaguara, 256 págs., R$ 39,90) uma metralhadora giratória antiextremista.

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A fama de misógino e islamófobo rende a Houellebecq uma promoção contraditória, mas colocou o escritor sob os holofotes após o massacre no jornal satírico francês Charlie Hebdo – em 07 de janeiro. Submissão estampava a capa do periódico naquele dia. O livro acaba de chegar ao Brasil e se tornou um dos mais comentados dos últimos anos.

O texto de Houellebecq reflete uma alegoria política em que a Fraternidade Muçulmana (partido fictício) assume a presidência da França após maquiar sua campanha com propostas moderadas e conciliadoras, porém, quando Mohammed Ben Abbes assume o poder sua postura se torna ultraconservadora e o islã – que significa submissão – passa a ser a religião oficial francesa. O ano é 2022.

Polêmica

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Para Khomeini, se não há política é impossível existir o islã. A declaração do líder religioso é a síntese de Submissão. François é um professor universitário que leva uma vida medíocre, sem sorte no amor e prestes a perder seu trabalho graças às suas convicções pouco favoráveis ao cenário político.

Em pouco tempo, empresário e outras pessoas influentes passa a para o lado de Ben Abbes. O professor é oprimido pelo novo sistema: deixa de ser um predador de alunas novas e passa a ser visto como um velho obsoleto e deslocado. A única solução encontrada por ele é se render ao islã.

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A crítica de Houellebecq é feroz. Seu retrato infantilizado das mulheres muçulmanas é uma das cenas mais marcantes do romance. As duas esposas de um rico empresário se divertem com revistas de cruzadinhas enquanto o marido discute negócios.

Solidão

Mas o livro vai além da política. Submissão é também uma fábula sobre medo, solidão e angústia. François personifica esses três sentimentos e passa boa parte do livro tentando se livrar deles: primeiro com uma carreira acadêmica pomposa, depois com suas relações com as alunas e, por último, com uma guinada religiosa.

O texto de Houellebecq não é suntuoso como Orwell e Huxley, a quem tanto é comparado, mas é inegável que o escritor consegue criar uma prosa lapidada e bem esculpida – beirando o apocalíptico.