A discrição de Chico Buarque fez com que ele guardasse por quase 50 anos um segredo de família: a existência de um irmão bastardo – fato que veio à tona durante visita que fez com os amigos Vinicius de Moraes e Tom Jobim ao poeta Manoel Bandeira em 1966. Quem chega às páginas finais de O Irmão alemão (Companhia das Letras, 240 pág., R$ 39,90) e lê que “os personagens e as situações desta obra são reais apenas no universo da ficção” deve achar graça da gentil troça com o leitor.

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A brincadeira só faz sentido porque Chico percorre a sua própria vida à caça desse irmão, fruto de um breve relacionamento de seu pai, o historiador Sérgio Buarque de Holanda, com Anne Ernst, durante os anos 1930 – quando morou em Berlim. Chico não cria culpados e nem vítimas no romance que é, ao mesmo tempo, uma peça memorialista e ficcional. Chico se transforma em Ciccio (diminutivo italiano para Francisco) e o pai é Sérgio de Hollander, um homem imerso em livros e um pouco desleixado com a família.

Enquanto busca informações sobre o irmão, Ciccio vê o Brasil mudar: a entrada das drogas, o início do regime militar e o silêncio forçado. Os ídolos da juventude já não são os mesmos e ela está dividida em duas: os comunistas e os conservadores. Esse cenário foi vivido pelo próprio, que esteve nos dois lados. No caso de Chico Buarque, o compositor popular, o divisor de águas é o disco Construção (1971), ponto chave do combate à ditadura.

Pano de fundo

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A política nacional é só o pano de fundo para que Ciccio encontre o irmão alemão. Na vida real, Chico descobriu que o irmão morreu de câncer em 1981 e, assim como ele, foi um ídolo popular em seu país. Sergio Günther – esse era o nome do tal irmão – foi apresentador de televisão e gravou alguns discos.

Chico chegou a ir à Alemanha e lá conheceu a ex-mulher do irmão, sua filha e também a neta. Nessa colcha de retalhos, as pistas estavam na casa da família Buarque de Holanda. Cartas e documentos escondidos entre os livros do patriarca forneceram os elementos iniciais para que o livro pudesse ser concluído.

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Essência

Durante anos, o próprio “irmão alemão” também buscou saber quem era realmente. Para Günther, Sérgio Buarque de Holanda não era o importante historiador que foi, mas apenas um latino-americano que havia deixado uma mulher grávida na Alemanha. Ninguém sabe se aquilo era um pingo de ressentimento ou se era apenas o seu próprio modo de ver as coisas, mas o certo é que Sergio Günther não negou o sangue e a genialidade que carregava.

Sergio Günther foi apresentador de TV e gravou LPs. Foto: Reprodução.

Ouça música de Sergio Günther