Assim como Euclides da Cunha, a vida de Raul Pompeia (1863 – 1895) bem que parece tirada dos folhetins que escrevia. O suicídio aos 32 anos é digno dos ídolos do rock and roll: um tiro certeiro no coração. O motivo? A sua suposta homossexualidade – a mesma razão pela qual Pedro Nava tiraria sua própria vida quase cem anos mais tarde. O relançamento de O Ateneu (Zahar, 264 pág., R$ 39,90), publicando em 1888, colocou lenha – novamente – na fogueira.

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O livro é considerado por muitos o primeiro romance a esboçar uma relação homossexual entre os personagens. O marco inicial, no entanto, é dado a Bom-crioulo, de Adolfo Caminha, publicado – quase que ironicamente – no ano de morte de Pompeia. Mas O Ateneu é uma obra que vai além dos esteriótipos de gênero e representa uma das críticas mais vorazes à sociedade brasileira da época, ainda solapada pelo Império – que se dissolveria em 1889 – e também contra a escravidão, que teria seu fim com a Lei Áurea, promulgada em 1888.

Sérgio, o protagonista, bem que funciona como alter ego de Pompeia, carregando os meus instintos abolicionistas e em prol da república. A história é contada pelo próprio garoto já adulto, que vê no colégio interno um bloqueio à sua liberdade. As normas rígidas e o conservadorismo representam a sociedade brasileira, personificada ainda na figura de Ariosto, o diretor da escola.

Pompeia não faz referência diretas à homessexualidade – da mesma meneira que Machado se mantém discreto no tocante à infidelidade de Capitu. A primeira “dica”, por assim dizer, vem de um conselho que Sérgio, com então 11 anos, recebe: existem dois sexos no colégio; o primeiro dos garotos sem “sangue”, sem coragem; o segundo representa os meninos valentes, “que se fazem homens”.

Só o suficiente

Aos poucos Sérgio vai caminhando entre os pequenos lampejos românticos que se assomam à sua frente. O arroubo de maior intensidade está no salvamento de Sérgio por Sanches durante a aula de natação. A partir desse pontos os dois se transformam em unha e carne. Pompeia não explica, apenas indica – o que é suficiente.

Ao contrário do que se possa imaginar, Sérgio nutre pelo colégio um sentimento colérico que não é apaziguado nem mesmo por uma homenagem que lhe é prestada. Enfim, no final o que sobra é a tragédia piromaníaca.

Edição especial

Apesar de não marcar nenhuma data especial, a edição lançada pela carioca Zahar é uma das mais ricas já produzidas. Além do prefácio assinado por Ivo Marques e notas de Aluízio Leite, o livro conta com ilustrações feitas por Raul Pompeia para uma das edições da época.

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