Crítica: “Número zero”, de Umberto Eco

O império construído por Charles Foster Kane no longa de estreia de Orson Welles é apenas a ponta de um iceberg midiático de controle e manipulação. A inspiração do cineasta foi a vida de William Randolph Hearst, considerado um ás maquiavélico das comunicações norte-americanas. Cidadão Kane foi – até 2012 – o melhor filme de todos os tempos, perdendo a posição para Um Corpo que cai.

O filme de Welles foi lançado em 1941, mas a polêmica é contemporânea. O escritor e semiólogo italiano Umberto Eco retorna ao tema em seu livro mais recente: Número zero (Record, 208 págs., R$ 35), que acaba de sair no Brasil e desbanca John Green na lista dos mais vendidos. Autor de O Nome da Rosa e O Pêndulo de Foucault, Eco cria um ambiente noir em pleno o ano de 1992.

Em Número zero, um poderoso Comendador cria um jornal que nunca deverá ver a luz do dia. Ironicamente, o jornal se chama Amanhã. Todas as notícias serão usadas como arma em um esquema de chantagem e tráfico de influência. Somente duas pessoas sabem da tramoia: o editor e jornalista contratado para escrever uma espécie de livro-reportagem sobre a história de Amanhã.

Aos poucos, uma conspiração envolvendo a maçonaria, a CIA, o assassinato do Papa João Paulo I e o golpe de Estado de Junio Valerio Borghese vai tomando forma e criando uma linha tênue entre o jornalismo e os interesses políticos.

Tempo e espaço

Umberto Eco é um sujeito habilidoso e sabe – como poucos – usar as teorias literárias e do romance para compor uma história interessante e crível. Em determinado ponto, um dos jornalistas sugere como pauta a discussão sobre o uso do celular (lembre-se, o ano é 1992) e o comportamento dos cidadãos italianos.

A proposta é rejeitada. O motivo? O celular não viraria moda. As pessoas sentiriam falta da conversa “face a face”. A ironia de Eco reverbera: é impossível não refletir sobre as relações e o que leva as pessoas a se aproximarem – mesmo que (especialmente) distante.  Número zero é talvez o livro mais acessível de Eco, uma espécie de thriller psicológico, comunicacional e semiótico. 

Voltar ao topo