Crítica: “Autobiografia: o mundo de ontem”, de Stefan Zweig

Os meses que o escritor austríaco Stefan Zweig (1881 – 1942) passou no Brasil foram suficientes para traçar seu destino em um arremate final. Os anos de glória em seu país natal foram arrasados pela ascensão de Hitler ao poder na Alemanha e a caça aos judeus. Sua única opção era fugir. Suas memórias foram registradas no livro Autobiografia: o mundo de ontem (Zahar, 400 págs. R$ 34,90), que acaba de ser lançado por aqui.

Os últimos dias de Zweig, passados em Petrópolis, em uma casa modesta e escondida em nada lembravam os tempos em que colaborou com Richard Strauss – e tantos outros intelectuais – ou escreveu para o maior jornal de Viena. Aquele era um mundo diferente do que conheceria após os horrores da Segunda Guerra – a qual não testemunharia o fim -: o mundo da segurança, como se referiu o escritor.

“Esse sentimento de segurança era o bem mais almejado por milhões de indivíduos, era o ideal comum de vida. Só com essa segurança parecia valer a pena viver, e círculos cada vez maiores requisitavam a sua parte nesse valioso patrimônio”, comentou Zweig em certo trecho do livro. O que parecia ser um ideal de vida característico da burguesia se revelava – ao menos sob o olhar do povo austríaco – como um cotidiano confortável. Por isso, o choque com a carnificina e o poderio ao redor “daquele sujeito”.

Stefan Zweig, assim como a poeta Elizabeth Bishop (1911 – 1979), tinha no Brasil seu pouso seguro, mas ambos enxergavam o país como uma terra colonial aberta aos estrangeiros de forma exagerada. Embora Zweig tenha sido muito mais grato que Bishop às Terras Tupiniquins, o europeu não suportou viver longe daquilo que via como sua própria identidade: a Áustria. O desencanto com o impasse beligerante causado pela bipolaridade entre Eixo e Aliados afastou muitos amigos estrangeiros de Zweig, que viraram as costas por ele ter nascido em um lugar que lhe era caro mas que não havia escolhido, naturalmente.

A solução encontrada pelo escritor foi uma overdose de barbitúricos ao lado de sua esposa, Friderike, com quem morreu de mãos dadas.

Testamento

Autobiografia é uma espécie de testamento filosófico e humano, em que Zweig explica a sua dificuldade de se adaptar à guerra e ao horror que ela trazia implícito – ou escondido como forma de preconceito velado. O tom melancólico da prosa em nada carrega as sombras da morte que iria abater o escritor, mas serve como álibi para seu crime perfeito: deixar o mundo governado pela hipocrisia e entrar para a História.