O escritor inglês Ian McEwan é obcecado por fábulas morais – Na Praia (2007), Reparação (2002), A Criança no tempo (1987) – e thrillers psicológicos – O Inocente (1989), Amor sem fim (1997), Serena (2012) –, predileções que lhe valerem a alcunha – já transformada em clichê – de McCabro. À parte suas preferências temáticas, o autor tem como maior carta na manga o seu poder de manipulação do leitor. Em A Balada de Adam Henry (Companhia das Letras, 208 págs., R$ 37,90), publicado no Brasil pouco depois do lançamento na Terra da Rainha, McEwan é soberbo ao mostrar seu grau de controle sobre o avanço do leitor em sua obra.

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O livro, talvez a melhor empreitada do autor em combinar fábulas morais e narrativas de suspense, é um diário, no sentido figura, de Fiona Maye, um juíza da suprema corte britânica, envolvida em um delicado caso de um adolescente de 17 anos que precisa fazer uma transfusão de sangue, mas acaba impedido pelos dogmas religiosos das testemunhas de Jeová. Cabe a Fiona dar a Adam Henry a dádiva de continuar vivo ou sucumbir à leucemia.

Até chegar ao veredicto, a juíza se vê enredada nas tramas do seu casamento, prestes a ruir depois que o marido anuncia em alto e bom tom que está de caso com uma “especialista em estatística” de pouco mais de 20 anos. Fiona tenta concentrar sua atenção unicamente no julgamento do rapaz, mas pouco a pouco é derrubada pelos problemas pessoais. A situação se complicada quando Adam Henry passa a assediá-la.

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Artimanhas

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Como em todas os livros de McEwan, existe sempre uma surpresa guardada. O autor é hábil em usar a linguagem como principal artimanha para prender o leitor, criar linhas de tensão e levá-lo a um pensamento equivocado. Em A Balada de Adam Henry, McEan não foge da fórmula e aí, quem sabe, resida o único defeito da história: a previsibilidade do fantástico.

McEwan é veterano e sabe exatamente – e com muita clareza – o que o seus leitores esperam. E dá a eles isso. Por mais que isso não atrapalhe o desenrolar dos fatos, enfraquece um pouco o dinamismo e cria uma certa burocracia. Mas, acima de tudo, o livro é humano e permite esses pequenos pecadilhos.

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E de tão humano, o autor mais uma vez coloca em xeque as noções religiosas. Como em Cães negros (1992), a religião e a ciência se enfrentam cara a cara e uma delas precisa sair derrotada.