Dublin nunca foi a mesma depois daquele 16 de junho de 1904, quando Leopold Bloom saiu de casa para ir ao velório de um amigo. O impacto de Ulysses, escrito por James Joyce entre 1914 e 1920 e publicado dois anos mais tarde, é tamanho que todos os anos – inclusive em Curitiba – leitores do escritor irlandês se reúnem para comemorar o Bloomsday.

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Inspirado pelos episódios da Odisseia, de Homero, Ulysses é uma espécie de saga, que dura apenas um dia, mas é – ao mesmo tempo – o timing certeiro para reconstruir a cidade de Joyce. Conta-se que o autor chegou a comentar que, se Dublin fosse destruída, seu livro poderia ser usado como base para reconstruí-la. A precisão é tanta que existem roteiros turísticos baseados nas andanças de Leopold Bloom.

Mas Ulysses, é claro, vai além. Joyce fez um livro deliberadamente erudito, maquinado para ser como é e, acima de tudo, criou um texto controverso – que o levou a ser proibido em alguns países, inclusive os Estados Unidos. A obra foi contrabandeada em edições ‘piratas’ para a França e era distribuída clandestinamente. A cena do chuveiro e a suposta traição de Molly, esposa de Bloom, são a ponta de um iceberg narrativo, costurado com as veias do próprio Joyce.

Saco de risadas

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Há quem diga que o suposto adultério de Molly remeta às desconfianças do escritor em relação a Nora, sua esposa. A escolha da data em que Leopold percorre a cidade, no entanto, é exatamente a mesma em que Joyce e Nora saíram pela primeira vez.

 As lendas sobre o livro não são poucas e aparecem cada vez com mais frequência. Segundo André Conti, editor da Companhia das Letras e responsável por editar a tradução do curitibano Caetano Galindo, Nora testemunhou vários ataques de riso do marido, enquanto o livro era escrito. O relato serve como alento a quem acredita que a obra de Joyce é inacessível e sisuda.

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Claro, que a coisa toda não é tão simples, mas está longe do hermetismo Finnegans Wake, livro que Joyce levaria quase 20 anos para escrever e que compõe um panorama inédito na literatura. Todos os experimentos de linguagem, como os neologismos e as onomatopeias, são levados ao extremo em Finnegans Wake, um trabalho radical e vanguardista.

Zhanmusi Qiaoyisi

Contra tudo o que se possa imaginar, James Joyce é um fenômeno de vendas na Chima, figurando na lista de best-sellers. Em 1996 já estavam disponíveis duas edições de Ulysses, por exemplo. No Brasil, em comparação, a tradução de Antônio Houaiss – realizada nos anos 1930 – reinou soberana até o começo da última década quando a versão da professora Bernardina da Silveira veio à tona. (A tradução de Galindo foi lançada em 2012.)

Zhanmusi Qiaoyisi, como James Joyce é chamado na China, exerce certo fascínio sobre seus leitores orientais. Para Jin Di, tradutor de Ulysses, em declaração ao jornal britânico “The Guardian”, Leopold Bloom representa um choque e a decadência da burguesia. Parte dessa ruptura está no fato de que Bloom é judeu, mas descrente; casado, mas infiel (se considerarmos seus pensamentos adúlteros); vibrante, porém resoluto.

Bloom é um sujeito realista, centrado em seu próprio umbigo, mas consciente de seu papel. As contradições do personagem são o reflexo do ser humano, como se Joyce projetasse em sua criação as falhas encontradas em qualquer pessoa que ande pelas ruas da cidade.

Pequeno guia joyceano para ser Leopold Bloom

Edições Brasileiras

Ulisses – tradução de Ant&ocirc,;nio Houaiss (Civilização Brasileira, 782 págs.)

Ulisses – tradução de Bernardina da Silveira (Alfaguara, 912 págs.)

Ulyssestradução de Caetano Galindo (Penguin Companhia, 1112 págs.)

Edições estrangeiras

Ulysses: Annotated Students Edition – Inglaterra (Penguin UK)

Ulysses – Inglaterra (Penguin Modern Classics)

Ulises – tradução e Francisco García Tortosa e Maria Luisa Venegas Lagüén – Espanha (Editora Cátegra)

Ulises – tradução de José Salas Subirat – Argentina (Santiago Rueda Editor)

Leia também

Um Retrato artista quando jovem – tradução de Bernardina da Silveira – (Alfaguara, 272 págs.)

Finn’s Hotel – tradução de Caetano Galindo (Companhia das Letras, 160 págs.)

Cartas a Nora – tradução de Sérgio Medeiros (Iluminuras, 152 págs.)

Assista

A Alucinação de Ulisses (Reino Unido/EUA, 1967) – 123 min. – direção de Joseph Strick

Bloom (Irlanda, 2003) – 113 min. – direção de Sean Walsh