Você tem medo de casa mal-assombrada?

Há alguns meses eu percebi que a grama crescia defronte um sobrado perto de minha casa. Notando bem, eu percebi que as janelas estavam fechadas há bom tempo, que a correspondência estava jogada no quintal e que a calçada interna estava suja. O mato também crescia entre os muros do sobrado. E eu acabei concluindo que o morador viajou ou se mudou. No entanto eu encontrei um conhecido chamado Horácio Merengalli e ele me contou algo mais trágico que motivou o abandono da casa: o dono se matou. “Você não sabia?”. O meu interlocutor estava mais impressionado com a minha ignorância sobre tal fato, do que com a tragédia que envolvia o endereço.

Eu não sabia e não me interessei pelos detalhes da tragédia, se é que o meu interlocutor sabia mais alguma coisa. Fiquei calado e depois fui em frente. O sobrado foi colocado à venda. E de vez em quando apareciam pessoas conduzidas por corretores imobiliários que olhavam o imóvel, que é novo e bonito, mas curiosamente o tempo passava e ninguém comprava. Depois de algum tempo eu me encontrei de novo com Horácio Merengalli e indaguei se ele sabia mais alguma coisa sobre o sobrado que afastava os compradores. Perguntei se o preço era alto – afinal, o mercado imobiliário está mais aquecido que o verão de 2014. Ele disse que não era o preço.  

Ele olhou para os lados, com expressão conspiratória e segredou: “Quando as pessoas descobrem o que aconteceu com o último dono, elas perdem o interesse”. Não que elas tivessem medo de assombração. Mas é a velha história, com estas coisas não se brinca. Uma dona bonita que se interessou pelo imóvel disse: “Pode falar o que quiser, mas fica um carma pesado no lugar em que acontece uma coisa assim”. Eu contei a história para o Miguel Angelo de Andrade e surpreendentemente ele concordou: “E fica mesmo. Você não conhece a história do Joelma?”. Foi Miguel quem me alertou que no começo deste mês fez 40 anos da tragédia do Joelma. Eu perguntei: “O que tem o Joelma com isso?”

Eu me lembrei do tempo em que morei em São Paulo e evitava passar perto dos edifícios Joelma e Andraus, palco de duas grandes tragédias – dois grandes incêndios. O primeiro, dia 1º de fevereiro de 1974, foi o maior incêndio da história de São Paulo. O fogo devorou o edifício e deixou um saldo de 191 mortos e mais de 300 feridos. No entanto, antes da tragédia, o terreno em que o Joelma foi erguido, perto da Praça da Bandeira, já era referência de eventos sobrenaturais desde o século 18, quando escravos seriam castigados e mortos no local. Sem contar o episódio escabroso chamado de O Crime do Poço, que aconteceu em 1948, envolvendo o professor de química orgânica da USP, Paulo Ferreira de Camargo.

Pois bem, Camargo matou a mãe e duas irmãs e jogou os corpos num poço que mandou construir dias antes no quintal de casa. Ele contou para os familiares que elas morreram num acidente de automóvel numa viagem ao Paraná. Os familiares acreditaram, mas a polícia foi investigar o caso, achou os corpos no poço e quando Camargo descobriu que foi desmascarado, ele correu ao banheiro e deu um tiro no peito. Somente esta história já é de arrepiar. E tem mais: dias depois, um dos bombeiros que ajudou a resgatar os corpos do poço acabou também morrendo por infecção cadavérica. Além disso, quando o edifício foi construído, uma funcionária de um escritório de advocacia que ficava à noite no trabalho acabou pedindo demissão do emprego porque era perseguida pelo vulto de uma mulher.

Miguel disse que havia outros casos, mas eu disse que ele não precisava relatar mais porque eu me convenci – não é que tenha medo de assombração – que a prudência aconselha a não desafiar o sono ou a angustia daqueles que atravessaram de olhos retos, para o reino crepuscular. Por vias das dúvidas, na próxima vez em que eu me encontrar com o meu amigo do São Lourenço, já sei o que vou dizer para ele: “Há mais coisas entre o céu e a terra, Horácio, do que sonha a nossa vã filosofia”. Os compradores de imóveis sabem disso. Para que correr o risco?