Velhos conselhos sentimentais eram na base do sarrafo

Eu tenho a mania de andar pela cidade e entrar em sebo de revistas e livros usados para sair com alguma coisa que acho valiosa. Curitiba tem muitos sebos e sempre acho algo interessante. Como ontem. Antes de ir para casa encontrei uma revista Grande Hotel de 1952 num sebo perto do jornal. Era revista de moças. Eu gostei da ilustração da capa, coisa de bom desenhista; a foto na contracapa de Marylin Maxwell, que teve um longo caso com Bob Hope e era loira de fechar o comércio. Sem contar a sessão Confessionário do Amor. Naquele tempo havia poucos psicólogos no Brasil e as revistas com estas sessões ajudavam a dirimir as dúvidas das moças apaixonadas.

Como as de Darci Hohenfeld, de Pelotas, Rio Grande do Sul. Era filha única e namorava um guapo chamado José Carlos. Ela gostava do tipo e o tipo gostava dela, mas era cheio de frescura. Motivo: ele também era filho único, paparicado e herdeiro de fortuna que o fazia encarar a noiva como se ela fosse sortuda, que devia dar graças a Deus por encontrar um partidão – era assim que os futuros maridos eram chamados – daquele naipe. Não bastasse este problema, tinha a futura sogra que enchia a futura nora de recomendações. Uma diferente da outra. Que somadas davam um Manual de Como Tratar Bem o Meu Filho.

Coisas como não deixar a porta aberta, para o moço não pegar resfriado. Ele só podia comer alimentos de uma lista que a velha passou e não podia comer outros de uma lista negra. Ela indicou as cores dos vestidos que a futura esposa deveria usar para não desagradar o futuro marido. O tipo de perfume que o cara gostava nas mulheres e também os que ele não gostava. Era para tomar cuidado para não manchar as roupas brancas e não deixar amassar os ternos. Até os remédios que o sujeito tomava, a mãe informou. E Darci ficou em dúvida se botava a mão naquela fortuna e o corpo na cama do sujeito ou se caia fora. Na dúvida apelou ao Confessionário do Amor. Que não vacilou.

A resposta veio queimando como um chute sem pulo do ponta-esquerda Pepe, o canhão da Vila Belmiro, que ainda nem começara a jogar futebol. “A critica que você faz é justa, mas me parece que você não o ama. Porque o amor é cego e aceita todos os defeitos da pessoa idolatrada”, disse logo de cara. Eu pensei que havia sabedoria nisso. Quando a pessoa gosta de alguém só vê qualidades – defeitos enxerga depois. Achei que o psicólogo de plantão ia acabar com a pobre moça. Nada! Ele virou o canhão para José Carlos e mandou bala: “Sem dúvida trata de casar-se para ter outra escrava, como escrava dele vem sendo a sua mãe. Só que esta nem percebe sua cadeia, porque adora o filho”.

E sem piedade, arrematou: “Rompa logo com esse noivado, garota, e aguarde, pobre ou rico, um rapaz, como você mesma diz, que seja real e verdadeiramente um homem, sem estar sempre preocupado com a penicilina, a moda das calças, a loção que veio de Paris e que não se julgue credor dos que queimem incenso aos seus pés, somente porque seus pais têm muito dinheiro no banco”. Eu não sei se Darci Hohenfeld seguiu o conselho, mas se ela casou com o Zé Carlos e se ferrou, não pode reclamar que não foi avisada.

Melhor ainda outra carta de Rosa da Esperança, de São Paulo. Ela namorou um vizinho de uma parenta, mas eles brigaram e ela ficou triste: “Vivo triste e só nos cemitérios encontro ambiente adequado ao meu estado de alma. Não sou feia e tenho 17 anos. O que faço da vida?”. O Confessionário não alisou: “Em vez de cemitérios, frequente festas e reuniões. Não aconselhamos escolher para marido um coveiro, mas mesmo estes, sem dúvida, para indenizar-se de seu lúgubre ofício, apenas largam a pá e o enxadão e só pensam em rir e estar alegres quando voltam para casa e, portanto, o tétrico humor da consulente, até para estes servidores da morte, seria pior que um tiro no peito. Não faça tragédia de pequena escaramuça amorosa. Vá em frente”. No sarrafo. Diagnóstico perfeito. Nem Freud faria melhor. E era tudo de graça.