Um Monza preto e os dois caminhos de Peabiru

Ao atravessar a Rua General Mário Tourinho na direção do Mossunguê, quase fui atropelado por um Monza velho de cor preta, com placas de Peabiru e a tampa do capô meio solta. Ele parou na minha frente. O sujeito no banco do passageiro perguntou: “É por aqui que eu vou para o Norte do Paraná?”. A rua faz parte do traçado da BR-277 e mais adiante, no Posto dos Guardas, há uma bifurcação na qual aparece a BR-376. Mas estas coisas podem ser identificadas por placas. Ainda assim as pessoas perguntam. Em todos os lugares. Eu respondi que seguindo reto ele ia parar em Ponta Grossa. Ele quis saber como faria, em Ponta Grossa, para ir para o Norte do Paraná. Eu dei resposta galhofeira: “Chegando lá, pergunta no posto Ipiranga”.

O cara me olhou enviesado, disse tudo bem, agradeceu e foi embora. Como ele não sabia o caminho de volta se soube o de ida? Boa pergunta. O Monza saiu soltando fumaça: o motor estava queimando óleo. Eu fui em frente e me ocorreu uma ideia: “Se ele perguntasse o Caminho de Peabiru não saberia responder”. Eu teria que perguntar para a Rosana Bond, amiga que faz longos anos que não vejo e que hoje, se não me engano, mora em Florianópolis. Ela virou especialista no assunto. Eu costumava chamá-la de irmã mais nova de James Bond, por causa do sobrenome invulgar – na realidade um parentesco impossível, porque o célebre espião inglês é fictício, saído da imaginação do escritor Ian Fleming.

Eu e Rosana trabalhamos juntos nos anos 80 em Londrina. Antes e depois ela trabalhou também em Curitiba. Nos anos 80 ela fez viagens ao Peru. Em uma delas encontrou-se com Sybila Arredondo de Arguedas, viúva do escritor José Maria Arguedas, um dos maiores nomes das letras peruanas e cujo poema epistolar “Aos Doutores”, publicado pela extinta Versus, me comoveu na juventude. Rosana falou de meu apreço pela obra de Arguedas e para minha surpresa, Sybila mandou carta para a minha amiga na qual nos autorizava a traduzir para o português, livros do escritor peruano, em especial “Todas Las Sangres”. Eu tinha lido “Rios Profundos”. Um belo romance.

Depois Sybila foi presa. Estava com 51 anos e ficou 15 anos na cadeia, acusada de pertencer ao Sendero Luminoso. No ano passado foi lançado um longa-metragem sobre ela, dirigido por sua sobrinha Teresa Arredondo. Sybila é mulher de personalidade forte. Não traduzimos os livros de Arguedas por vários motivos e um deles era que não tinha o domínio do espanhol. E outro, claro, naquele tempo, mais que hoje, era um parto encontrar editores interessados. Seria trabalho árduo sem esperança de vê-lo concretizado. No entanto, as viagens ao Peru renderam alguns livros para Rosana Bond. E um deles foi sobre o Caminho de Peabiru.

Caminho do Peabiru (que significa caminho da grama amassada), foi uma longa rede de antigas estradas na América do Sul, construída a partir do ano 1.000, com extensão de 5 mil quilômetros, dos quais 1.200 em território brasileiro. Era o caminho que os incas usavam para chegar ao Oceano Atlântico, de Cuzco até São Vicente, em São Paulo, passando no Paraná por Pitanga e Guaíra. Algumas estradas brasileiras teriam sido estruturadas a partir deste caminho primitivo e a principal é a Rodovia Castelo Branco. Como tinha ramificações, havia segmentos em Santa Catarina, Bolívia e Paraguai. O nome Peabiru viria de Pe Biru – caminho para Biru, nome que os incas davam ao seu território.

Hoje existem poucos vestígios do Caminho do Peabiru, considerado estrada sagrada. Mas o caminho para Peabiru que os passageiros do velho Monza de cor de preta procuravam certamente era a PR-317, que liga Maringá a Campo Mourão. Neste caminho, depois do Rio Ivaí, encontra-se primeiro Engenheiro Beltrão e depois a cidade de Peabiru. Neste caso, o caminho para Peabiru é menor e pavimentado. E foi pensando nestes dois caminhos que fiz o percurso mais curto até o Shopping Barigui.