Um gesto bacana de ver nas ruas da cidade

Depois de um mês de férias, estou de volta. Em primeiro lugar, desejo a todos os leitores da Tribuna e em particular desta coluna um venturoso ano de 2014. E também agradeço ao colega e amigo Miguel Ângelo de Andrade que ocupou este espaço neste período com brilhantismo e galhardia, que lhe são peculiares. Como dizia Mao-Tse-Tung, na versão de Paulo Francis: “Agora, vamos em frente!”. E na volta de férias, a pergunta que a gente mais houve é: “Viajou?” Como se sair de férias obrigasse o sujeito a sair correndo da cidade feito louco. Fiquei a maior parte do tempo em Curitiba, porque não tem lugar melhor do mundo que Curitiba no fim do ano e no Carnaval. As ruas ficam civilizadas. Não tem loucura! Maravilha. É tão bom que chega ser um crime deixar tudo isto só para os turistas.  

E acontecem coisas bacanas. Emocionantes. Por exemplo, numa tarde eu peguei um ônibus ao lado do Memorial Árabe, aliás belo monumento no centro da cidade. Apareceu um Mateus Leme, dirigido e cobrado pelo motorista. Entrei e sentei. Estava quase vazio, porque era domingo. Para ser mais preciso, dia 15. Viagem normal. Mas nas férias a cidade fica tranquila. E domingo de dezembro, mais ainda. Eu pensei: numa tarde assim não acontece nada de extraordinário. Eu me enganei.

O tempo que estava quente e ensolarado armou para um pé d’água apocalíptico. Aquilo me preocupou por dois motivos: não estava a fim de tomar um aguaceiro imprevisto e tinha comprado dois livros e eles podiam molhar. O ônibus entrou na Mateus Leme, e ali no começo do São Lourenço, num daqueles pontos, um casal pediu para o motorista parar. Achei estranho pedido, porque era só apertar o botão e pronto. Foi então que eu reparei que cada um estava com uma varinha de metal. E minha ficha caiu. Eram cegos.  

O motorista parou, o casal de cegos desceu e o motorista percebeu que talvez pressionados pela eminente chuva, os carros passavam velozes pela Mateus Leme. Não era trânsito intenso, mas era perigoso. Principalmente para quem não enxergava. Ainda mais um casal que se amparava um no outro sem ver o que acontecia. O motorista deu um berro: “Esperem!” Ele desligou o ônibus, desceu pela porta do meio e foi atrás do casal. Segurou a mão da mulher, em cujo ombro o homem se amparava. O motorista parou carros que vinham e conduziu os dois em segurança até o outro lado da rua. Foi bonito de ver. Solidariedade e civilização.

O casal cego agradeceu e seguiu seguro, batendo as varinhas à frente na calçada, para identificar obstáculos. O motorista voltou para o seu posto como nada tivesse acontecido e foi em frente. Mas eu achei extraordinário. Se a maioria fosse imbuída deste sentimento de ajudar o próximo, o mundo seria melhor. Eu anotei a hora: 15h23. Anotei o número do ônibus 181. E tinha um BN611 ao lado da porta que não tenho a menor ideia para que serve. Mas que ajuda a identificar. Nós, usuários do serviço de transporte coletivo, somos sensíveis aos maus tratos, mas também somos sensíveis a gestos que aparentemente são pequenos, mas que são grandes, porque se repetidos por todos criam um mundo muito melhor.

Mais adiante, perto do Parque São Lourenço, eu desci. A chuva que prenunciava torrencial passou distante. Foi para os lados de Almirante Tamandaré. Talvez até ela tenha se sensibilizado com o gesto do motorista que resolveu, pelo menos desta vez, poupar os moradores daquela parte da cidade. É diante de cenas como esta que eu sinto orgulho de pertencer à raça humana. Uma cena, movida por um sentimento, que torço para não ser raro nas ruas da cidade no ano que está começando.