Um dia para se lembrar de Sylvia Seraphim

Em janeiro do ano passado o jornalista Lucas Laranjeira me sugeriu: “Por que você não escreve sobre Sylvia Seraphim?” Não tinha me passado pela cabeça escrever sobre a mulher que matou o irmão do dramaturgo Nelson Rodrigues no dia 26 de dezembro de 1929, após ser humilhada no jornal do pai do escritor, Mário Rodrigues. A sugestão fazia sentido porque antes de se matar, Sylvia Seraphim tentou cartada decisiva: queria vir morar em Curitiba com o pai de seu filho, um tenente da aviação. Ela ficou hospedada num hotel na Rua XV.

Eu me lembrei que Mussa José de Assis, diretor de redação de O Estado do Paraná, me falou dela. Então comecei a ir atrás de informações a respeito da moça. A história é a seguinte: Sylvia Seraphim há 85 anos motivou uma das maiores discussões sobre a condição da mulher no Brasil. A história é quase absurda e se passa no Rio de Janeiro, então capital do país. Ela era casada com o médico João Thibau Júnior, tinha dois filhos e era mulher moderna – escrevia para os jornais de Assis Chateaubriand.

No entanto, ela se envolveu com o também médico Manuel de Abreu Júnior, o inventor da abreugrafia, sistema considerado revolucionário com o uso de Raios X para facilitar o diagnóstico da tuberculose, uma doença mortal. O Dr. Abreu se animou com os Raios X e achou que podia dar um jeito nos pelos das pernas de Sylvia usando o mesmo sistema. Foi um desastre, ele quase transformou as pernas da amante em dois espetos de churrasco. Ela ficou uma fera e o marido descobriu o adultério. Civilizadamente os dois resolveram se separar. Cada um ficava com um filho e ele alugava uma casa para ela em outro lugar do Rio.

Mas aí entrou o jornal Crítica, de Mário Rodrigues – pai do dramaturgo Nelson Rodrigues -, e explorou o caso de forma sensacionalista. Sylvia quando soube que o jornal ia publicar notícias de seu desquite, tentou reverter o caso com Roberto Rodrigues, que estava na redação na ausência do pai. Ela alegou que o caso era de foro íntimo. Ele ouviu e não deu bola. A matéria saiu e o Rio de Janeiro pegou fogo. Sylvia tentou se matar e como os pais dela conseguiram evitar, ela saiu e disse que ia espairecer. Mas foi até uma loja, A Espingarda Mineira, comprou uma arma e rumou para redação de Crítica, onde matou Roberto Rodrigues.

A partir daí iniciou-se uma grande discussão: mulheres ficaram ao lado de Sylvia e o jornal Crítica chamava Sylvia Seraphim de tudo que era nome ofensivo, como cadela, cachorra, meretriz, marafona, prostituta, porca, sifilítica, paneleira, pataqueira, pederasta, entre outros, numa campanha implacável. O dono jornal, Mário Rodrigues, morreu de desgosto antes do julgamento, que absolveu Sylvia Seraphim. Alguns anos mais tarde, em 1932, Sylvia arrumou nova paixão, o tenente Armando Serra de Menezes, com quem foi morar no interior do Rio e com quem teve o filho Ronald. O cara prometeu casamento, mas se envolveu com uma bacana da sociedade carioca.

E para escapar de Sylvia ele veio para Curitiba. Sylvia veio atrás em abril de 1936 e ficou no Hotel Metropol, no número 452, da Rua XV de Novembro, cujo gerente era o Sr. Abib Jabur. Sylvia tentou se reconciliar com Menezes, que a ignorou. Abandonada, ela tentou o suicídio sem sucesso, cortando os pulsos. Ela voltou para o Rio de Janeiro onde consumou o suicídio esvaziando um vidro de Veronal. Era dia 27 de abril de 1936. Sylvia tinha 33 anos. E seu nome foi esquecido. Esta tragédia acabou influenciando o futuro dramaturgo Nelson Rodrigues. Eu recontei a história desta mulher moderna que foi alvo de campanha infame no final dos anos 20, introduzindo elementos de ficção. A série “Malditos todos os que me desejaram” foi publicada pela Tribuna do Paraná de 11 a 15 de março do ano passado em cinco capítulos. Se eu recordo a história de Sylvia é apenas para ressaltar no dia de hoje a importância da luta das mulheres pelos seus direitos, uma luta que não foi travada do dia para a noite, mas ao longo de décadas, talvez séculos.