Todo artista tem de ir onde o povo está

Sábado à tarde eu peguei o expresso Centenário-Campo Comprido na Praça Eufrásio Correia. Duas estações depois, na Praça Osório, entrou um sujeito com um violão. Sem anunciar nada, ele começou a tocar o violão e a cantar uma música escrita por Renato Teixeira e Almir Sater, chamada Tocando em frente: “Ando devagar porque já tive pressa e levo este sorriso, porque já chorei demais”. O ônibus também deve ter chorado bastante porque também não tinha pressa. E o cara cantava: ‘Hoje me sinto mais forte, mais feliz quem sabe. Eu só levo a certeza de que muito pouco eu sei, eu nada sei”. O cara cantava bem, tinha voz bonita e não fazia feio com o violão.

Depois da primeira música, ele se apresentou: “Sou artista popular e faço shows-relâmpago nos ônibus. Eu quero agradecer a todos vocês a presença no meu show”. Olhei ao redor e alguns sorriram da cara de pau – ou da ironia. O cantor não se apertou e emendou outra música: mais um sucesso sertanejo, Menino da Porteira, do gênero Cururu e de autoria de Teddy Vieira e Luizinho, um clássico gravado originalmente em 1955 por Luizinho e Limeira, mas que ficou famoso nas vozes de Tonico e Tinoco e posteriormente na de Sérgio Reis. Aliás, música que rendeu dois filmes.

O cantor não parava quieto – e não desequilibrava com o violão. Ele ia até o fundo do ônibus e voltava, utilizando o corredor do ônibus – os dois terços dos fundos – como palco. Ia e voltava, tocava e cantava. Depois da terceira música, mandou o seu recado financeiro: “Como eu disse para vocês, sou um artista popular e toco nos ônibus da cidade. Eu quero viver de minha música e peço uma colaboração. Aqueles que contribuírem com qualquer importância, desde já eu agradeço”. Ele não esperou ninguém resmungar, porque todo mundo fingia que não ouvia, mas claro que todo mundo estava ouvindo.

Eu percebi duas mulheres e um homem se mexerem para tirar notas de dois reais e moedas de 1 real. Movimento que estimulou mais duas ou três pessoas a fazerem a mesma coisa. Então o nosso cantor atacou com a terceira música, mais um hit sertanejo: “Nestes versos tão singelos, minha bela, meu amor. Prá você quero contar, o meu sofrer, a minha dor”. O nosso cantor não tinha cara de quem sofria tanta dor assim, mas com a Tristeza do Jeca ele rompeu a resistência de quem não queria colaborar com seu espetáculo. O momento era aquele. A plateia estava sensibilizada. Ele tirou o boné do bolso e passou, anunciando: “Gente, estou correndo o chapéu. Quem quiser colaborar eu agradeço”. Não era chapéu, era boné azul. Até eu dei um troco. Afinal de contas, o artista podia estar matando, podia estar roubando, mas ele estava ali cantando.

O cara  tocou a saideira rápido. Antes de se despedir teve bom humor: “Agradeço a todos pela presença no meu show e convido todos a assistir meu próximo espetáculo neste ônibus, amanhã, no mesmo horário”. Ele desceu na estação tubo Gastão Câmara. Pelo vidro da janela, eu o vi tirando o dinheiro do boné e contando. Eu acredito que ele faturou pelo menos vinte reais ali. Eu calculei que se ele repetisse a performance e arrecadação umas doze vezes por dia, ele tirava em média 240 reais, sem imposto de renda, sem taxa da prefeitura, sem aluguel do teatro, sem pagar o sujeito do guichê e sem pagar músicos, etc. Se ele, fizesse curta temporada – um final de semana, livrava quase 1 mil reais. Claro que não era  simples, e claro que poderia haver oscilação para baixo – mas também para cima. Vida de artista não é fácil. Mas ele estava se virando honestamente. Eu me lembrei da música de Milton Nascimento, Nos Bailes da Vida: “Todo artista tem de ir onde o povo está”. Seguindo este princípio, aquele artista popular, com seus shows ambulantes, estava fazendo a coisa certa. E shows sempre com casa cheia – quer dizer, com ônibus lotado. Nada mal.