Quanta história cabe numa rua

Quando saio fazer caminhadas, gosto de andar pelo meu bairro. É uma forma de ver como as coisas se transformaram desde que cheguei na Vila Izabel há 14 anos. Desde então, novos prédios e canteiros de obras se multiplicaram em tal velocidade que a paisagem se altera antes mesmo que a gente se acostume com ela.

Mas há honrosas exceções e uma delas está lá na minha rua, a Dario Veloso. A construção secular do Instituto Neo-Pitagórico, tombada pelo Patrimônio Cultural do Estado, é uma garantia de uma viagem a Curitiba de outros tempos. E que tempos! O instituto foi criado em 1909, inspirado na escola do filósofo e matemático grego, Pitágoras. A iniciativa foi do professor, escritor, filósofo e poeta, Dario Vellozo (é assim que se escreve). Não sei porque ao grafar o nome da rua tiraram um “L” e trocaram o “Z” pelo “S”. Acho que o professor não iria gostar disso…

O “Templo das Musas” imita os templos gregos e é encravado num bosque que ocupa uma quadra inteira. A abundância do verde atrai uma variedade de pássaros e a algazarra dos bichos nas manhãs confere um ar bucólico ao lugar.

Mas é só olhar para imponência do prédio para logo perceber que não se trata de área de lazer. Embora o instituto já tenha sido divulgado exaustivamente em jornais em TV, até a alguns anos vizinhos achavam que a instituição era alguma coisa ligada à Maçonaria, mas ninguém se aventurava a bater lá e tirar a dúvida.

De fato, Dario Vellozo foi eminente maçom, mas a finalidade do instituto era outra. Tive o privilégio de ouvir do próprio professor Rosala Garzuze, presidente do Instituto Neo-Pitagórico o objetivo da instituição: desenvolver o autoconhecimento nas pessoas, tendo a amizade como base, o estudo como norma e o altruísmo como fim. Garzuze era genro de Dario Vellozo e viveu até os 103 anos, boa parte deles dedicada ao instituto. Na ocasião do seu centenário, publicamos uma matéria na Tribuna com o velho professor. Lembro até do título: “Os 100 anos do guardião do saber”.

Emocionante os relatos de Garzuze, que naquela idade ainda ministrava aulas semanais de filosofia. Era a extensão da paixão que moveu Dario Vellozo a criar o instituto. Além de ser um produtor e divulgador da cultura, Vellozo atendeu os reclamos dos seus alunos já formados que queriam continuar aprendendo com o mestre e assim o sonho se tornou realidade. Alguém lembrou do filme “Sociedade dos Poetas Mortos”?

Não deixa de ter semelhança, mas a diferença é que Dario Vellozo conseguiu materializar a criação de uma escola cuja meta mais cara era o livre pensar e é lembrado até hoje como um mestre inspirador, que influenciou culturalmente a Curitiba do fim século XIX e início do século XX. Impressionante quanta história cabe num trechinho de asfalto. Qual é a história da sua rua?

* Miguel Ângelo de Andrade publica a coluna ‘Pelas ruas da cidade’ durante as férias de Edilson Pereira.