Para que serve, afinal de contas, um rabino?

Eliseu descobriu que Benjamin era judeu na semana em que o rabino se hospedou na casa do amigo. Aliás, ele não sabia que o sujeito desconfiado, velho e silencioso era rabino. Benjamin quem disse. Para ser exato, Eliseu não sabia para quê servia um rabino – além do básico: fazer circuncisão e rezar a missa em judaico. Era uma simplificação grosseira, mas era o que sabia. Ele sabia que os judeus eram circuncidados. Fora isso, sabia o que disseram: que davam duro no trabalho, gastavam pouco e ficavam ricos. Ele também fazia as duas primeiras coisas, mas nunca conseguiu chegar à terceira.

Mas nada disso tinha importância – importava que Benjamin era amigo de Eliseu, era judeu e o rabino estava na casa dele, porque era tio de Hannah, mulher de Benjamin. Eliseu não perguntou o motivo da visita do rabino. Não importava – importava que o rabino estava na área. Eliseu demonstrou súbito e inesperado interesse por rabinos. Era como se este fosse um enviado especial. Quis saber o nome: “Isaac Joshua”, respondeu Benjamin, desconfiado, acrescentando, em dúvida se devia dizer, que era de Buenos Aires. Eliseu tinha expressão ansiosa. Benjamin perguntou: “Abra o jogo, o que você quer com o rabino?”.

Eliseu abriu o jogo: “Eu preciso dele para um servicinho”. Benjamin não entendia porque teria interesse num rabino um cristão que sequer ia à igreja regularmente, que não conhecia os ritos judaicos, que era ignorante na milenar tradição dos judeus e, pior, tinha um “servicinho” para o rabino. Eliseu explicou: “Meu filho tem fimose. O médico disse várias vezes que ele precisa operar. Neste assunto, eu só confio em rabino”. A princípio, Benjamin pensou que era brincadeira desagradável – heresia, uma espécie de neoebionita. Não era. Benjamim disse: “Mas você nem conhece o rabino!”. Eliseu disse que não tinha importância. “Se ele não fosse bom naquilo que faz não seria rabino!”.

Benjamin aconselhou o amigo a procurar um médico. Eliseu disse que não confiava nos médicos. Ele soube de um erro médico que provocou acidente grave – aquilo o assustou sobremaneira. “Que acidente?”, indagou Benjamin. “O cretino mutilou, entende?”. Benjamin entendeu. Mas não entendeu onde o rabino entrava na história. “Eu nunca soube que tal acidente aconteceu entre os judeus”, disse Eliseu como conhecesse todos os casos de circuncisão de judeus desde o primeiro nos tempos remotos. “Eu confio nos rabinos”, insistiu. Benjamin fingiu não entender.

Ele abaixou a cabeça e quando levantou estava sério. Eliseu nunca o vira assim: “Eu não vou levar sua reivindicação para o rabino. Ele vai ficar uma fera. Eu não vou arrumar encrenca por isso”. Foi uma decepção para Eliseu, que apelou: “Eu te fiz tantos favores e você não pode me fazer um?”. Benjamin balançou a cabeça: “Peça outro, este não faço”. Eliseu não disse nada. Virou as costas e durante seis meses não falou com Benjamin. Era para ser um rompimento definitivo. O rabino voltou para Buenos Aires sem tomar conhecimento da história. Benjamin contou o caso para Hannah, que calou.

No entanto, um pequeno acidente restabeleceu a amizade. Numa manhã, enquanto brincava com uma caneca na beira do tanque de lavar roupa e com a outra mão manuseava distraidamente o sexo, o pequeno filho de Eliseu rompeu o prepúcio e resolveu o dilema do pai, que era fugir de um médico inábil. A cirurgia ou circuncisão estavam descartadas. Os rabinos podiam dormir tranquilos. Mas a velha amizade não era a mesma. Era, agora, respeitosa e temerosa nos dois lados. Benjamin temia Eliseu aparecer com outro pedido estranho, que ele não pudesse atender e por sua vez Eliseu sabia que se pedisse para Benjamin algo acima do trivial, não poderia contar com o amigo.