José Maria estava em um café no centro da cidade tomando uma cerveja quando Ramiro chegou e contou que Altamirano foi internado no sanatório. José Maria quis saber a razão e o outro disse que Altamirano não saia de casa, alegando que quatro médicos estavam empoleirados como quatro corujas negras numa árvore na frente de sua casa, esperando-o para devorá-lo. Aquilo era um absurdo porque não havia árvore na frente da casa em que Altamirano mora, na realidade um apartamento num pequeno condomínio perto do Abranches. Quando Altamirano chegou ao sanatório ele entrou em depressão. Ele confidenciou a Ramiro que uma enfermeira sem cabeça entrava sorrateira no quarto e ria do formato do sexo dele, embora ele estivesse de pijamas.

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José Maria perdeu a vontade de beber cerveja, abaixou a cabeça, levou as mãos aos cabelos e os puxou para trás num gesto nervoso. Ele perguntou para Ramiro, que trouxe a terrível notícia, se o caso era realmente sério. Ramiro respondeu que mais sério impossível: “Ele pirou de vez. E ninguém sabe quando terá alta. Se é que um dia vai ter”. José Maria olhou para a rua, para Ramiro não ver as suas lágrimas. Depois, fingindo apertar o nariz com os dedos indicador e polegar da mão direita, limpou os olhos marejados. Ele cobriu os olhos com os dedos e disse: “Era o mais bonito e querido pelas mulheres entre nós. Todas gostavam dele”.

Era verdade. Altamirano era um sucesso com as mulheres, mas desde jovem dizia coisas sem sentido. A princípio elas acharam que ele fosse um poeta surrealista. Ramiro desconfiou: “Eu acho que ele não bate bem da cabeça”. José Maria indagou: “O que você quer dizer?”. Ramiro não fez rodeio: “Ele é maluco”. Na época em que ocorreu este diálogo, há mais de vinte e cinco anos, José Maria fez algo que achou reprovável. Ele coletou de forma sorrateira expressões aleatórias de Altamirano e as transformou numa peça de teatro, com a qual venceu um concurso nacional de dramaturgia. Entretanto, envergonhado de se apropriar das frases do outro, ele recebeu o dinheiro, mas não anunciou a sua infame obra aos amigos – com exceção de Ramiro. Este não o censurou, com um cínico argumento: roubar coisas alheiras para ter êxito na carreira literária não era novo e tampouco um hábito em extinção.

José Maria declamou: “Os vampiros são os primeiros a chegar e sempre os últimos a sair. Os vampiros comem macarrão e fumam charutos cubanos. Os vampiros são argentinos e também são baianos. Eles querem governar todos os humanos”. Ramiro completou: “Mas não podem, porque não tem nariz”. Ramiro disse: “Você ouvia estes disparates e ainda incentivava: diz mais, Altamirano, não para, continua. E assim roubou a loucura de Altamirano”. José Maria disse: “Fui um crápula.” Ramiro respirou fundo: “Console-se. Você não é culpado pela loucura de Altamirano”. Bem, pelo menos isto. Altamirano ficou louco sozinho.

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Agora José Maria não sabia se bebia o resto da cerveja ou pagava a conta e ia embora. Ramiro disse que ele devia beber o resto da cerveja, porque ela não tinha nada com isso. Ele disse: “E se você não beber a cerveja, ela pode ficar ofendida”. José Maria indagou: “Altamirano dizia isso?” Ele respondeu: “Ele me disse num bar. Depois de me garantir que estava feliz porque estava de cuecas novas. Foi naquela noite que achei que ele começava a ficar maluco. Nunca soube de alguém que ficou feliz porque estava de cuecas novas”.

As garotas, talvez por acharem um desperdício, foram as últimas a acreditar na loucura de Altamirano. E foram as primeiras a cuidar dele. Convidavam-no a ir a suas casas e uma delas, Úrsula, tomou banho nua na frente dele enquanto Altamirano contava casos estranhos para ela e sem o menor interesse na nudez da amiga. Úrsula disse que ele contou uma história de um cavalo antipático, que além de falso e mentiroso, não gostava de conversar com gatos. José Maria tomou a cerveja e depois saiu com Ramiro. Estavam decididos a visitar o amigo no sanatório. Não se abandona amigo nem na loucura.

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