O final de ano foi marcado pela tentativa dos vereadores de Curitiba de emplacar o décimo terceiro salário. Como o Tribunal de Contas do Estado vetou o benefício, os legisladores municipais logo encontraram outra saída de engordar as finanças. Eles fazem parte de um restrito grupo do País que tem o privilégio de aumentar o próprio salário e agora querem ampliar as verbas de representação e assim garantir o abono sem alarde. Provavelmente vão conseguir seu intento, mesmo que sob protestos do eleitorado.

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O que muita gente não sabia é que há certa razão para tanta preocupação com os vencimentos nos gabinetes da Câmara. Ontem, esta Tribuna divulgou o salário de alguns servidores e a situação é de cair o queixo. Tem muita gente ganhando mais que os próprios vereadores, muito embora sua função seja de servi-los. Não é impressionante? O empregado ganha mais que o chefe. E alguns ganham mais até do que o prefeito Gustavo Fruet. O prefeito de Curitiba tem salário de R$ 26,7, mas doa R$ 8 mil para instituições de caridade. Numa conta simples, Fruet ficaria com cerca de R$ 18 mil. No ranking dos salários do legislativo, ele perde feio para um analista de sistemas, que amealha um salário bruto R$ 36 mil.

Os vereadores que ganham R$ 13 mil, então nem se fala. Ganham menos do que uma redatora que retira mensalmente R$ 29 mil. E tem outros casos, que não vou ficar repetindo aqui. O presidente da Câmara explicou que é tudo dentro da lei: existem direitos adquiridos de quem já trabalhava antes da Constituição, etc. Pode até ser dentro da lei, mas é fora da realidade. Não tem telefonista no setor privado que ganhe R$ 8,5 mil, mas ela está lá na Câmara, firme e forte. Para ganhar R$ 36 mil no mês, como um analista de sistemas da Câmara, um executivo do setor privado precisa ter alta qualificação, com pós e MBAs, e suar a camisa se comprometendo com metas de resultados no negócio em que estiver metido, senão nada feito. E não há estabilidade no emprego.

E pensar que no Paraná já teve um exemplo de legislativo em que os vereadores trabalhavam na base do amor da camisa. Em 2004, os nove legisladores da Câmara de Uraí, cidadezinha de 12 mil habitantes no Norte do Paraná, aboliram os salários para a atividade. O curioso disso é que o folclore político normalmente cita as pequenas cidades como currais eleitorais, onde os interesses são mais próximos o que em tese impediria que as práticas políticas fossem dotadas de ética. Mas eis que a pequena Uraí inverteu esta lógica burra.

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Na época, a economia estimada era de R$ 680 mil por ano, dinheiro que poderia ser investido em postos de saúde e benefícios para a população. E os vereadores não morreram de fome, porque cada um tinha seu emprego. Para conciliar as atividades, as reuniões na Câmara foram fixadas às quintas-feiras à noite. A lei que aboliu salários para os vereadores foi feita para perdurar até 2008, mas não chegou a tanto.

Atualmente, a legislatura de Uraí já recebe vencimentos. O último relatório publicado pelo portal da transparência da Câmara, datado de setembro de 2013, aponta subsídio de R$ 2,3 mil para cada um dos nove vereadores. Os vencimentos são modestos, não deixa de ser um avanço. Mas é uma pena que cidade não tenha se mantido como um farol da moralidade no uso do dinheiro público.  É muito difícil ser uma ilha num oceano de maus exemplos. Mas ficou para a história a iniciativa que talvez algum dia seja resgatada e imitada.

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* Miguel Ângelo de Andrade publica a coluna ‘Pelas ruas da cidade’ durante as férias de Edilson Pereira.