Os derradeiros ganidos do patriarcado

Um dia deste eu li um artigo do escritor e humorista Gregório Duvivier a respeito de xingamentos que recaem sobre as mulheres – xingamentos que normalmente são feitos por homens, mas muitas vezes até por mulheres antagonistas das ofendidas. Quando alguém quer ofender uma mulher de forma violenta recorre a um arsenal de qualificativos quase todos vulgares: puta, piranha, vadia, vagabunda, quenga, rameira, devassa, rapariga, biscate, piriguete, baranga, tilanga, canhão, dragão, tribufu, jaburu, mocreia, entre outros. Não precisei procurar: todos estes aí foram elencados e publicados pelo Gregório Duvivier na Folha de S. Paulo.

Ele pegou um exemplo que já ouvi à exaustão: “A Dilma é uma piranha!”. Como tem gente ressentida com a Dilma! Bem, como ele disse, ela não é. E se fosse, seria problema dela. E se fosse, com aquela cara, séria e assexuada, seria surpreendente. E ser piranha não diminui ninguém, embora também não promova. As mulheres vêm mudando seu status na sociedade desde o começo do século passado. Com luta, por sinal, que nada sai de graça. Mas, ainda hoje, homem quando vê mulher pensa, primeiro, na potencialidade sexual da dona e nunca na intelectual, como se as mulheres não a tivessem. E mulher feia bem sucedida então passa a ser alvo de todo tipo de recalque e frustração machista e até de mulheres antagonistas – por um destes mistérios que a humanidade não consegue explicar, muitas mulheres compartilham visão preconceituosa, talvez por ciúme do sucesso alheio ou por mera competição.

O mesmo arsenal de xingamentos não atinge os homens. Homem feio de terno fica charmoso e se a carteira for recheada o bofe passa a ser gostosão. E na hora de xingar qualquer homem, as ofensas na realidade são dirigidas às mulheres. Um homem não é um prostituto, mas um filho-da-puta. Ele não é um cavalo, mas filho-da-égua. Ele não é um apressado, mas vai tirar a mãe da zona. Ele não é um adúltero, ele é um chifrudo, corno manso e assim por diante. Para ofender o sujeito, se apela para quem está quieta em seu canto, quase sempre sem fazer nada, a coitada da mulher que faz parte da vida do cara, a mãezinha, a esposa e em casos raros, a irmã. Juiz de futebol, então, por precaução sempre carrega uma mãe postiça, que é aquela que ouve xingamentos e desaforo. Está certo que muitos juízes de futebol merecem. Mas as mães não tem nada com isso.  

A explicação que eu encontro para esta distorção nas relações sociais é a de que a partir do século 20, as mulheres mudaram muito e ajudaram a transformar a sociedade numa bem diferente da patriarcal que perdurou por séculos. É a sociedade patriarcal que sustenta esta aberração retórica, porque ao desviar o foco da ofensa da figura do patriarca para concentrar em suas mulheres – mãe, mulher, irmã ou filha – o sujeito sabe que está dando pancada mais forte. Ele atinge a honra. E atingir a honra dói mais que atingir os bagos do sujeito. Chamá-lo de ladrão pode ser elogioso em alguns círculos. Chamá-lo de fascista, pode deixar o cara orgulhoso. Corrupto é sinônimo de bem sucedido e construtor de fortunas no Brasil: “Ele ficou rico. É um grande corrupto!”.  

De que vai se chamar um homem na hora de ofendê-lo? De babaca? Se o sujeito for babaca, não é ofensa. De pilantra? O cara pode gostar. De crápula? Ele vai rir e dizer: “Sou crápula e fodão!”. Mau-caráter? Cafajeste? Escroto? Machista? Nada ofende mais que pegar na parte sensível do homem que é a sua honra. Ainda que hoje em dia a honra seja produto em extinção, mas ficou no inconsciente este calcanhar de Aquiles do homem: a honra. E se bater na honra do sujeito machuca, acertar as mulheres com estes nomes escrotos, machuca mais ainda. Resquícios de uma sociedade patriarcal que sobrevivem nos aspectos mais mesquinhos e sórdidos da sociedade moderna, uma sociedade em que a mulher assume cada vez mais, com competência e seriedade, um papel de protagonista. Os babacas é que não perceberam. E como não sabem justificar o seu espanto, xingam à moda antiga. Os últimos ganidos do patriarcalism,o, que foi engendrado em algum momento da pré-história.