Os amores perdidos de uma garota da periferia

Uma coisa a professora Naomi tinha certeza: Laura Berenice era inteligente e não precisava fazer parte da turma de recuperação. As notas, quando tinha nota, eram boas. Mas havia vazios no histórico escolar. Naomi era escolada depois de tantos anos no magistério e foi maneira para o lado da garota, para entender o problema, sem o que não tinha como recuperar o tempo perdido. “Laura Berenice, querida, o que aconteceu?”, perguntou a professora. A garota sabia que a professora sabia que ela andou com Sacanagem, um garoto que estudou na escola e caiu no tráfico. “Foi Sacanagem, foi, filha?”, insistiu a professora.

A menina a princípio tentou dissimular, mas não demorou a entregar o serviço. “Professora, é complicado, sabe! Eu quero fazer a coisa certa, mas não dá”, argumentou. A professora concordou. Um negócio é falar bonito, outra coisa é levar oxigênio para o subterrâneo da sociedade para o povo ferrado respirar. O problema é maior do que supõe a vã hipocrisia da classe dominante. E a coisa estava ali nas palavras de Laura Berenice: “Meu pai fuma maconha, minha mãe fuma maconha. Meu irmão fuma maconha, meu cunhado também. Eu não gosto de maconha professora. Mas eu me acostumei com aquele cheiro”, disse ela. “Eu namorei Sacanagem, que foi preso e fugiu da cadeia”, disse ela.

Naomi percebeu que o caso era pesado. A garota estava num beco escuro e com os quatro cavaleiros do Apocalipse bloqueando a saída. Por isso, tinha que ter paciência. A garota contou que começou a namorar Sacanagem quando ele era aluno da escola e se chamava Rodrigo, mas ele quis ganhar dinheiro e sem emprego procurou o caminho do tráfico. Foi preso e fugiu. Fez assalto e arrumou grana. “Aí ele me ligou que estava sendo procurado e para não ser preso, armou barraca no mato”, disse ela. Por isso, ela matou aula para ficar com Sacanagem no mato. Mas ela cansou de ir para o mato com Sacanagem e pediu para ele dar um jeito.

Ele foi para a casa de uma prima e foi dedurado pelos vizinhos. A polícia baixou e ele foi para a prisão. Com Sacanagem na cadeia, ela acabou namorando Big Louco. A professora não sabia quem era Big Louco e ela disse que era o Marquinho, aquele menino que desenhava bem e que foi aluno no terceiro ano. “O Marquinho dos olhos verdes?”, perguntou a professora sem acreditar no que ouvia. “Ele mesmo, professora”, respondeu a menina. “Ele era um anjo, menina”, disse a professora. “Um anjo professora, mas os anjos também precisam trabalhar e comer. E como ele não arrumou emprego, caiu na bandidagem”, disse Laura Berenice. O bicho era feio, concluiu Naomi.

Bem, a professora quis saber por que Marquinho estava usando o nome de Big Louco e a menina explicou que era para impressionar. “Quanto mais louco o nome, mais moral o cara tem na galera, professora”, disse. A professora entendeu. Bem, a menina namorou o garoto. Ele fazia seus roubos e comprava um monte de coisas gostosas e ia para o motel e chamava Laura Berenice. “Ah, professora, era um monte de coisa gostosa, Diamante Negro, sanduíche do Madero, tudo coisa fina. Eu ficava dois ou três dias no motel, até o dinheiro acabar”, disse ela. Resumindo a história, Big Louco também foi preso e Laura Berenice agora estava tentando organizar a sua vida escolar.

Naomi tentou um golpe meio freudiano e disse: “Sabe, filha, as coisas às vezes acontecem deste jeito. Mas você tem que fazer força para deixar o caminho do mal e escolher o caminho do bem. Você é inteligente. Use sua inteligência em favor do bem”. A garota ouviu e devolveu com um golpe marxista: “Eu até quero entrar no caminho do bem. Mas tem que avisar a sociedade para ela me deixar entrar”. Naomi ficou grogue, mas respirou fundo e tentou organizar as coisas: “Bem, gente. Vamos começar a aula de recuperação”. Ela disse de um jeito que tinha dúvidas se sozinha ia conseguir recuperar alguma coisa. E, se conseguisse, ela tinha dúvidas se ia adiantar. Ela mesma estava revoltada com o salário atrasado.