O vereador de Butiazal

O vereador de Butiazal ficou sem pagamento de novo. Todo mês era a mesma coisa, só enrolavam o pobre homem. Mas como é que pode? Como conseguiram esta proeza de deixar um político sem seus proventos? Geralmente eles se garantem para receber cada centavo. Armam tão bem o esquema que muitos recebem até duas vezes mais do que realmente merecem. Se é que merecem!

Mas não o vereador do Butiazal. Este ficou só na saudade, sem um tostão. Quem conta a história é o Sérgio, meu cunhado.

Pelos lados de Rio Azul, tinha um sujeito muito popular na região. Não se sabe como surgiu o apelido, mas o certo é que começaram a chamá-lo de “vereador”. Depois, para avacalhar ainda mais acrescentaram o “Butiazal”, já que a região era rica em palmeiras de butiá. O bullying ficou generalizado e o pior do mundos foi o matuto levar a brincadeira a sério. Vereador pra cá, vereador pra lá e o homem investiu-se no cargo. Circulava pela região com ares de autoridade.

Como a maldade parece não ter limites, os gaiatos apimentavam mais a situação. – E daí, vereador? Já fez a vistoria nas pontes?

Diante do olhar atônito e surpreso do homem, engrossavam o caldo: – Você não é vereador? Vá lá cuidar das pontes!

E não é que o homem se mandava a pé para cumprir a tarefa de vereador. Andava de Rio Azul a Rebouças para ver como estava a travessia dos rios. Viajantes tomavam um susto ao ver aquele homem, usando um chapelão debruçado sobre a estrutura das pontes. Tinha gente que pensava que era acidente. Alguns paravam para ajudar e não acreditavam no que ouviam.

– Aconteceu alguma coisa?, perguntava o incauto motorista. E o vereador, calmamente respondia, com o sotaque peculiar do interior: – Tô vendo se a ponte não vai cair!

Levava uma tremenda descompostura dos viajantes. Quando o causo chegava na cidade, era o maior alvoroço. Mas o pior estava por vir, na época de final de mês. O “vereador” ia até a prefeitura para receber. Já disse que a maldade não tem limites? E não tem mesmo! Faziam uma folha de papel timbrado para homem e aí começava a peregrinação. Carimbos, assinaturas e vai e volta, até que alguém se apiedava e acabava com o martírio do homem: – Larga mão disso, rapaz! Você não percebe que estão te fazendo de palhaço?

Pobre vereador! Tratava de afogar as mágoas no bar. Quando já estava meio alto, desabafava: – Os amaldiçoados não me pagaram este mês de novo!

Virava piada no bar. Depois da bebedeira, achava de ir curar o porre dormindo num monte de sepilho (farpas de madeira), que um chacareiro espalhava como adubo na frente da propriedade. De manhãzinha, quando a família soltava o cachorro para esticar as pernas, o bicho ia direto para o monte de sepilho e tacava lambidas no vereador. O matuto acordava se cuspindo todo, dando pulos para se livrar do assédio do cachorro. O dono da chácara, já acostumado com aquele “hóspede”, gritava lá do terreiro: – Não tenha medo das lambidas do cachorro, ele é limpo, até brinca com as crianças.

E o vereador, louco da vida gritava de volta: – Limpo nada, já vi ele comendo esterco de vaca.

Eita vereador danado! Fiscaliza até o cachorro.

* Miguel Ângelo de Andrade publica a coluna ‘Pelas ruas da cidade’ durante as férias de Edilson Pereira.