O velho milionário excêntrico do Cristo Rei

Roberta e Alfredo moram num velho apartamento no Cristo Rei que pertenceu ao pai dela, magistrado nos anos 30 ou 40, quando o Tribunal de Justiça tinha dez por cento dos desembargadores de hoje e juiz era tão importante quanto o bispo. Ambos tinham mais poderes – bispo e juiz. O apartamento é repleto de troféus, medalhas e velhas fotografias de poderio que evaporou no tempo. Alfredo tem aposentadoria – não é pequena, permite viver com dignidade. E também que faça coleção de quadros, com os quais entope as paredes do apartamento. Metade da coleção comprada no Mercado Livre da internet.

No verão os dois desaparecem. Passam meses entre os netos na casa do filho em Florianópolis. Nos meses frios ficam em Curitiba. Gostam da cidade, mas pegaram o hábito de reclamar dela – ou seja, daquilo em que ela se transformou. “Definitivamente, Curitiba não é a mesma. Acabaram com a nossa cidade querida. Eu passo na Rua XV e não conheço mais ninguém”, diz ele, não com saudosismo, mas com fúria. “Sequestraram a nossa cidade, a nossa paz e estão destruindo Curitiba. A cidade está cheia de malucos. A Rua XV é prova disso”, diz ele.

Alfredo não fala respeitoso, amistoso ou fraternal. Ele fala como se intimasse. Eu não levo as palavras muito a sério, por duas razões. A primeira é que os velhos são ranzinzas por natureza – seria estranho que não fossem. E, depois, acho que em parte ele tem razão. Há exagero em seu desabafo, no entanto ele não é desprovido de verdade. A capital paranaense cresceu muito e perdeu parte da qualidade de vida que a tornou famosa no mundo inteiro nos anos 70 e 80, até um pedaço dos anos 90. Sem contar que hoje tem muitos carros nas ruas, muita gente com pressa e onde existe tudo isto, também há pouca solidariedade e vigora o famoso adágio: cada um por si e Deus por todos. Não é pecado de Curitiba. É marca das metrópoles. Elas são insensíveis. É praga do progresso.

E quem paga o pato pelo inconformismo de Alfredo pelos rumos da cidade são as caixas de supermercados. E os porteiros. Ele é quase arrogante com o porteiro de seu prédio, que não perde um minuto de sono com a rabugice do velho desembargador, como o chamam, embora Alfredo não seja e nem tenha sido. Outro profissional que leva Alfredo à loucura – e vice-versa – é o motorista de táxi. Ele acha que os corteses não fazem mais que obrigação em ser corteses e os espertinhos que fingem desconhecer as ruas da cidade para fazer percursos mais longos, estes são colocados na categoria de malfeitores. Quando chega em casa ele confidencia a Roberta: “Taxistas espertinhos são mais uma consequência do crescimento desordenado da cidade”.

E ela tem que ouvir a velha ladainha: “Porque na Curitiba de meu tempo, cada taxista era um cavalheiro tão digno que não lhe passava pela cabeça ludibriar ninguém”. Roberta pisca o olho para mim, como dissesse que não era bem assim. Também naquele tempo tinha os bons taxistas, como havia os espertinhos. “Alfredo é muito exigente com os novos tempos. O problema é que os novos tempos não estão nem um pouco preocupados com ele”, diz Roberta. Ela tem razão: os novos tempos não estão preocupados com ninguém.

No entanto, como em tudo que é ruim sempre tem coisa boa, Alfredo – e esse foi um segredo que Roberta me contou – gosta de uma mania dos novos tempos: os brechós. Ele adora ir a brechós. Para comprar roupas usadas importadas a preços módicos. Toda a sua elegância, seus casacos, até velhos sapatos engraxados, que lhe dão o aspecto aristocrático, é garimpada nos brechós. Roberta contou e que Alfredo nunca saiba: “Ele diz que com pouco dinheiro ele consegue sair de um brechó com a aparência de um milionário excêntrico”. Este hábito – não o de ir ao brechó – mas o de desfilar altivo pela cidade como milionário excêntrico, é um dos poucos prazeres que lhe restou no crepúsculo da existência. Talvez Alfredo seja ranzinza porque quando chega em casa ele percebe que não é milionário. Que tudo não passa de simples aparência. Mas é a vida, Alfredo!