O último tombo do Carlitos do São Lourenço

Ele torcia para o Coritiba. Por muitos anos, sempre que o Coxa saía de campo com a vitória, no dia seguinte Carlitos saía de casa com a camisa do seu time, altaneiro e desafiante, com um bom assunto para longas discussões com seus camaradas de rua, os desocupados que se reuniam nas sombras das árvores do Rio Belém, atrás do Mercadorama do São Lourenço ou nas cercanias da Anita Garibaldi. Camisa tradicional, a branca com duas faixas verdes e distintivo no meio do peito, mais limpa que alma de anjo. O Coxa era a sua grande alegria. A outra era a bebida, a branquinha, a pinga. Na briga para ficar com o coração e a mente de Carlitos, depois de longo torneio, a bebida venceu a parada. Depois disso, dominado por ela, Carlitos nem comemorava mais as vitórias do time – e também não chorava as derrotas. A malvada o dominou.

Muitas vezes o encontrei adormecido na sarjeta. Às vezes ele pedia a um conhecido: “Me ajuda a levantar”. Era ajudado e saia andando, cambetiando, traçando as pernas, até às margens do Rio Belém, sua pátria, onde procurava a sombra de uma árvore para terminar o sono turbinado pela bebida. Ao levantar, se o movimento no parque era razoável, assumia o posto de flanelinha. Se alguém desse dinheiro, estava no lucro. E se não desse, não perdia nada. Se conseguisse algumas moedas, contava e, se fossem suficientes, ia para o mercado e procurava a gondola de bebida para abraçar a maldita companheira – a garrafa de pinga. Não tinha preferência por marca. Marca boa era a que o dinheiro podia pagar.

Na manhã seguinte, se não estivesse deitado na escadaria do supermercado, estava contando as moedas, para ser dos primeiros clientes a entrar e comprar mais uma garrafa. Foi assim por semanas, meses e anos. A pinga, como demônio, consumiu Carlitos em suaves prestações e um dia cobrou o que restou dele. Na segunda quinzena de dezembro, ele desabou na escadaria do supermercado. Todos pensaram que fosse mais um porre homérico, daqueles que tomava todos os dias. Mas ele estava estranho e silencioso. Ele foi levado às pressas para o hospital. Era coma alcoólico. Estava mal. Morreu na madrugada. Um final previsível.

Sem velório. A família não tinha dinheiro. O corpo saiu do hospital para o cemitério de Quatro Barras. Foi enterrado. Finalmente, encontrou a paz que não teve no mundo dos homens, onde viveu à margem da sociedade, entorpecido para não pensar na vida. No dia seguinte, para meu espanto, que acostumei a vê-lo falando alto dentro do mercado, esbravejando quando não encontrava nenhuma marca de pinga que pudesse ser comprada com suas moedas, cantando para as garotas uma canção incompreensível, andando meio torto, com seus cabelos negros cuidadosamente penteados, eu que achava que ele fosse o maior estorvo no recinto, descobri que gostavam dele.

Uma garota com os olhos vermelhos não conseguiu falar seu nome, outra entristeceu quando falei dele e até mesmo os caras mais duros, mergulharam na tristeza respeitosa. Nenhuma censura. Algumas vezes Carlitos foi levado para fora do mercado por inconveniência. Nem isso foi suficiente para arrancar uma palavra áspera. Uma garota disse: “Ele nunca fez mal a ninguém e gostava de cantar para nós”. O mercado está mais tranquilo. Mas há uma espécie de vazio. Eu jurava que Carlitos veio ao mundo para ir embora sem deixar pistas. Mas ele ficou no coração de algumas pessoas. E quem vai e deixa sua imagem no coração dos que ficaram não passou por este mundo em vão. Ainda que fosse um bêbado. Talvez porque ele, até onde se saiba, nunca fez mal a ninguém.