O Sr. Claudinho é um homem muito doente

A mulher velha e gorda, de peitos caídos, apertava a bengala e olhava para frente, impassível. Ela nem reparou quando eu passei na sua frente e sentei ao lado no banco, junto à janela. Na estação tubo da Praça Osório ela se levantou, apoiando na bengala, me olhou e sorriu um sorriso triste e enigmático. Então eu reparei que os seus cabelos brancos eram curtos como os de um militar. Eu a esqueci rapidamente, porque ela desceu na estação e outro sujeito entrou meio esbaforido e sentou no lugar em que ela estava. Ele disse: “Que coisa! Eu estou chapadão!”.

Eu me impressionei; era um velho. E quando o olhei com atenção eu o reconheci. Era o Sr. Claudinho, conquistador de balconistas das lojas do centro da cidade e de empregadas domésticas dos bairros próximos do centro, nos anos 50 e 60. Ele era infalível quando jovem – um garanhão insaciável. Estava velho e alquebrado. Ele entrou meio arcado, arfando, com uma estranha elegância: terno risca de giz, camisa vermelha escura, sapatos bicolores e lenço branco no bolso do casaco, cujas pontas triangulares caíam para fora. Era, agora, meio careca; os dentes de cima o abandonaram, embaixo havia meia dúzia. Por esta razão, quando ele disse que estava chapadão, me lançou uma chuva de saliva no rosto.

Mas, depois que ele sentou e continuou a falar, como olhava para frente, a chuva de saliva foi para o vidro, que ficou úmido e embaçado. Ele disse que acabou de sair do hospital, onde tomou três tipos de remédios fortes, que o deixaram zonzo. Na realidade, como ele definiu, ficou chapadão: “Estes remédios chumbam mais que maconha, rapaz!” Eu não sei se o Sr. Claudinho foi maconheiro um dia, mas entendi o que queria dizer e concordei em silêncio, apenas meneando a cabeça. Ele disse que estava tonto e com pressa e eu pensei que as duas coisas que não combinavam.

O Sr. Claudinho mora em um barracão que cederam para ele perto de um edifício em obras no Mossunguê. Ele disse: “Eu sempre vivi em Curitiba. Mas, agora, com a idade e com os remédios, às vezes eu me perco na cidade”. Eu fiz um gesto que significava que compreendia. “Estou com 78 anos. E com esta idade tenho dois problemas”, disse ele. Esta é uma idade em que as pessoas normalmente têm vários problemas e poucas condições de resolvê-los. Eu não disse para ele, mas pensei. Ele disse: “Eu sou o Claudinho. Todo mundo me conhece. Por isso, tem gente que me ajuda”.

Mas a ajuda apenas diminui os seus problemas. “Eu não estou bem e tenho que cuidar de duas pessoas”, disse. E acrescentou que a neta levou um tiro de um maconheiro na perna direita e teve que cortar a perna, coitada. Ele disse a frase fazendo um gesto com a mão direita imitando um serrote que cortava a sua perna. Não bastasse isso tinha a mulher. “Depois de velha, ficou maluca”, disse. Ele fez um movimento circular com o dedo indicador perto da orelha, um gesto popular para indicar pessoas que não batem bem da cabeça. “Ela está maluquinha, maluquinha, coitada!”. E as duas dependem dele, que depende dos remédios, e para tomá-los tem que ir ao hospital, de onde sai todo chapadão.

A vida do Sr. Claudinho não tem sido fácil nas últimas décadas. “Sabe, moço, eu estou muito doente”, disse. Quando chegamos à estação tubo Major Heitor Guimarães, ele levou a mão direita sobre os olhos para constatar através do vidro da janela do ônibus em que lugar estava. Ele disse: “É aqui. Eu vou descer”. Eu também descia no mesmo ponto. Passamos a catraca e uma vez na rua ele disse, apontando para uma área onde havia casas velhas de madeira, algumas quase caindo: “Eu moro ali na frente. Vamos tomar um café em casa?”. Eu agradeci e disse que também estava com presa. Ele disse: “Apareça em casa qualquer hora. Você será bem vindo e poderemos tomar um café”. Eu disse tudo bem. Ele foi apressado, cambaleante, porque, como disse, ainda estava meio chapadão. Eu desejei no íntimo que seus problemas ficassem menores e que ele tivesse forças para enfrentá-los.