Eu não sei quantos são. Já vi diversos pelas ruas da cidade e alguns na Rua XV. São os pregadores independentes. Eu presumo que se trata de uma categoria de pregador evangélico que ainda não levantou financiamento para fundar uma igreja no Boqueirão e enquanto isso atua solitário e de forma agressiva num marketing religioso pessoal. Ou alguém que levantou de manhã depois de uma noite agitada e decidiu mudar de vida e propagar pelo mundo um código harmonioso entre os homens. E como o único que conhecia era o Novo Testamento, empunhou-o e foi para as ruas virar novo profeta. Eu não sei como surge um novo pregador. Mas sei que eles surgem aos borbotões. No entanto, eu acho que as coisas não são simples. Pregar é uma coisa séria, tão séria quanto jogar futebol. É preciso vocação. Não dá para improvisar.

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Eu acho que todo sujeito acha que sabe jogar futebol. A verdade é que nem dois por cento dos que acham que sabem jogar futebol, sabem realmente fazer algo com a bola que os tornem merecedores de atenção. Uma coisa é achar que sabe – outra é mostrar que sabe. Com pregadores é a mesma coisa. Por isso, pregar, como diria um bom pastor, não é para qualquer um. E saber pregar, assim como saber jogar futebol, pode ser uma armadilha. O bom pregador pode ficar vaidoso de seu talento e esquecer o conteúdo da mensagem para se fixar no desempenho. Afinal, é ele que atrai a atenção – e em muitos casos, a grana. O mesmo acontece com muitos jogadores de futebol de talento, que se embebedam com a fama e se deixam destruir.

Os pregadores de rua são como gordos que fazem jogos de fim de semana – são autênticos no entusiasmo e acreditam em seus tacos. O problema é que não convencem a maioria. Eles não impressionam, não comovem e não convencem. Mas não desistem. Isto é admirável porque eles enfrentam concorrência de fazer Billy Graham bater em retirada. Por esta razão admiro os pobres pregadores – assim como os jogadores gordos de fins de semana. São incansáveis, insistentes, inofensivos, mas autênticos. Talvez no fundo de seus espíritos, estes pregadores acreditam que se não levarem ninguém para o Paraíso, pelo menos fizeram a parte deles e com isso garantiram bilhete para a eternidade. Se estiverem com o crédito limpo na praça espiritual, acho que merecem.

Ser Billy Graham é fácil. Eu quero ver o grande pastor americano enfrentar a Rua XV apinhada de apressados, eu quero vê-lo com microfone na mão ligado a uma caixinha de som fajuta, correndo o risco de morrer eletrocutado em público. Eu quero ver Billy Graham chegar ao fim do dia sem alma nova para a contabilidade do Senhor. Seria frustrante. Mas não é para os pobres pregadores. No dia seguinte lá estão eles de bíblia e microfone nas mãos disputando a atenção dos transeuntes com meia dúzia de estátuas vivas, sendo passados para trás por uma dupla sertaneja de cantores cegos afinados, sem contar o cantador com equipamento de som sofisticado entoando as melhores canções de Tim Maia. Tudo isso e ainda dois sujeitos com jalecos amarelos berrando que tem comida a preço módico num lugar perto dali.

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Ah, também tem palhaços e mocinhas alegres neste calor desfilando sem recato, algumas oferecendo discretamente o seu produto, com direito a cerveja e trinta minutos de lascívia e atos libidinosos – a algumas dezenas de metros dali, num daqueles pardieiros entre a Praça Tiradentes e a Praça Santos Andrade. Pobre Billy Graham! Ia ficar maluco. Os pobres pregadores não, eles vão em frente, eles são a infantaria do evangelho. São as primeiras vítimas e os últimos heróis. Como numa praia da Normandia, todo mundo berra e ninguém tem razão, todo mundo sonha e ninguém bota dinheiro na mão. Pensei em dizer ao pregador que a Rua XV está mais para um picadeiro desorganizado diante de uma plateia apressada, que para um templo. Que estatisticamente as chances êxito por ali são pequenas. Mas não adianta, ele vai voltar lá. Porque pregar na Rua XV talvez seja a última razão de sua vida.