O Passeio Público está parecendo o Rio Amazonas

Na minha juventude eu gostei de uma dona chamada Senta Berger. Amor platônico. Ela foi uma atriz de olhos verdes, lábios carnudos e o resto de fechar o comércio. A dona ainda hoje ainda é uma senhora com traços de beleza que o tempo não apagou totalmente. Ela foi apenas uma de uma série de amores platônicos por atrizes lindas. A maior parte europeia, muitas italianas. Mas Senta, hoje com 72 anos, é austríaca de Viena. O curioso é que todos estes anos eu conheci algumas mulheres parecidas com ela. Como Mercedes Schnneider. Ela é uma garota bonita, mas um pouco avoada. Parece estar sempre com a cabeça no mundo da lua.

Como eu não estou preocupado com os pensamentos dela, este detalhe não compromete a nossa amizade, embora crie algumas situações curiosas, como dia destes, quando eu estava conversando com Juvenal Santana e ela chegou, ficou quieta, pegando o bonde andando, como se diz na gíria e prestando atenção na conversa. Juvenal estava bravo por causa do Passeio Público. Ele disse: “Aquilo lá está parecendo o Rio Amazonas”. Esta observação deixou Mercedes impressionada e curiosa. Juvenal continuou falando e ela querendo saber o que o Passeio Público tinha a ver com o grande rio da região norte de nosso continente.

Juvenal disse que de dia, principalmente de manhã, o Passeio Público é um parque normal, tranquilo. “Tanto que aos sábados tem aquela maravilhosa feira de produtos orgânicos, que eu sempre frequento não apenas para comprar, mas também para encontrar amigos”, disse ele. Mercedes observando com aquela seriedade quase ingênua e com aqueles olhos de Senta Berger que faziam Juvenal até se esquecer do que estava falando e reduziam a sua fúria a uma indignação controlada. Juvenal Santana lembrou de uma reportagem sobre o problema feita por Eduardo Santana, com o qual não tem nenhum parentesco. Por estar na presença de Mercedes ele não mencionava claramente a razão de sua revolta, tornando a conversa ainda mais misteriosa para a recém-chegada.

Bastaram alguns minutos da presença de Mercedes Schnneider para Juvenal Santana perder totalmente o ímpeto raivoso. O problema que o indignara a tal ponto de falar soltando salivas para todos os lados era agora um assunto morto. Ele olhou Mercedes Schnneider e com toda sinceridade que o caracteriza ele disse: “Você é uma mulher muito bonita, minha filha”. Ele suspirou resignado, talvez com saudade de seus vinte anos. E foi embora triste. Mercedes olhou para mim e disse que achou Juvenal um velho simpático. Ela perguntou: “Ele estava nervoso, não estava?” Eu disse que estava. Mas disse que tudo já tinha passado. Ela quis saber o motivo e eu disse que eram os problemas do Passeio Público. “Ele está com o mesmo problema do Rio Amazonas, não é mesmo?”, indagou.

Eu disse que sim, mas desconfiei que ela não entendeu bem a coisa. Mercedes ficou olhando o Passeio Público tentando entender quais problemas aquela pequena área verde poderia ter em comum com aquela enorme área verde ao norte do país. Ela perguntou: “Estão devastando o Passeio Público?”. Eu disse que não sabia nada disso e apressei a dizer que também não havia enchente por ali. Mercedes não desistia: “Então são os mosquitos?”. Eu percebi que ela estava muito interessada em descobrir o que havia de comum entre as duas áreas verdes tão diferentes entre si.

Fui direto: “Sabe Mercedes, o que o Juvenal quis dizer que é tem tanta piranha no Passeio Público que ele está parecendo o Rio Amazonas”. Mercedes se assustou: “Que perigo! Se uma criança cair ali pode ser devorada!”. Este o problema dela. Linda de morrer e lerda de matar. Era melhor esclarecer: “Mercedes, piranha é sinônimo de prostituta”. Ela fez um “oh!!!” gracioso. Só estragou quando concluiu: “Engraçado, eu não sabia que havia tantas prostitutas no Rio Amazonas!”.