O Paraná moderno nasceu diante de sua lente

A velha frase – ‘uma imagem vale por mil palavras‘ – nem sempre é verdadeira. Tem imagens que não contam nada e tem frases curtas que dizem tudo. Mas algumas vezes ela é real. Entretanto, no caso do fotógrafo alemão Peter Scheier eu presumo que seria necessária uma frase mais forte, original e profunda para designar seu trabalho. Um trabalho que vale por mil páginas, milhares de palavras, dezenas de livros ou coisa assim. Scheier nasceu em Glogau em 1908 e morreu em Ainring em 1979. Duas cidades alemãs. Quem vê as duas datas e as duas cidades não imagina como ele se impregnou de Brasil. Ele simplesmente viu o Brasil se transformar diante de seus olhos. E diante da lente de sua máquina fotográfica.

Scheier chegou a São Paulo em 1937 com uma carta de recomendação para trabalhar num frigorífico. Nas horas vagas ele vendia cúpulas de abajur. Para facilitar o trabalho ele resolveu fazer um catálogo e fotografou as cúpulas em vez de carregá-las pela cidade para baixo e para cima. Foi assim que a fotografia entrou em sua vida. Dois anos depois ele estava trabalhando para um suplemento em rotogravura do jornal O Estado de S. Paulo e mais alguns anos, começo dos anos 40, ele estava na revista O Cruzeiro. Ele foi encarregado por Assis Chateaubriand para ser o fotógrafo oficial do Masp, desde 1947, ano de sua fundação.

Nesta altura do campeonato ele abriu o Studio Peter Scheier que funcionou até 1975. Scheier publicou reportagens no exterior sobre a inauguração de Brasília. Ele flagrou velhos burocratas em prédios novos, crianças indo à escola, moças olhando vitrines, ele tinha um olhar de repórter – suas fotos capturavam um momento de vida para eternizá-lo. De técnica apurada, Scheier também fotografou a construção do Estado de Israel. Seu acervo de 30 mil negativos em preto e branco e 4 mil slides coloridos, que foi doado em 1979 para a Editoria Abril e hoje pertence ao Instituto Moreira Salles, impressiona pela quantidade de trabalhos feitos e variedade de assuntos abordados. Scheier literalmente pegava tudo o que via pela frente. E sabia dar a este tudo uma dimensão épica.  

E Peter Scheier veio parar nesta coluna porque em 1953, ele veio ao Paraná para registrar o primeiro centenário do Estado. Ele esteve em Curitiba e as cenas que registrou da cidade formam um documento único – as ruas, uma manhã nublada diante da catedral, o Colégio Estadual, os universitários entre colunas da universidade, uma vista área da biblioteca pública em construção. Outra cidade – a metrópole nascendo. Ainda mais espetacular foi o que capturou no interior. A ebulição do Norte do Paraná embalado pela riqueza do café – pessoas chegando, homens de chapéu negociando, casas de madeiras, árvores abatidas, serrarias entupidas de troncos, ele simplesmente flagrou o parto do Paraná moderno. Nos Campos Gerais, algumas cenas lembram o filme ‘Shane‘ de George Stevens sobre o oeste americano curiosamente produzido no mesmo ano de 1953.

O livro ‘Paraná – Brasil‘ com as fotos de Peter Scheier, publicado há 60 anos e hoje um documento raro, é talvez o primeiro e mais eloquente trabalho iconográfico sobre o nascimento do Paraná como hoje o conhecemos, com a sua gente de várias etnias, com suas regiões com vocações diferenciadas e cada uma destas partes que vieram a formar este conjunto, empenhada em construir algo. Está tudo ali. Não seria exagero dizer que Peter Scheier viu o Paraná nascer diante da lente de sua máquina fotográfica – se outros viram antes, pelo menos não registraram com volúpia, técnica, amplitude e riqueza deste alemão.