O garçom que não gostava de usar cueca

O cineasta Glauber Rocha tinha o hábito de ficar nu em casa ou nos quartos de hotéis e quando os amigos iam visitá-lo ele não se preocupava em botar roupa, ao menos uma cueca, porque achava que estava em seu ambiente e não ia mudar de hábitos com a chegada de um amigo. Os amigos de Glauber sabiam deste costume estranho e já iam preparados para não levar susto e tampouco recriminá-lo – sabiam que o homem ia abrir a porta, totalmente nu, com cigarro na boca. Se quisessem falar com o cineasta tinham de encarar a coisa como natural, embora a achassem estranha. Quem não sabia disso se assustava.

Eu contava esta passagem para o amigo Cláudio Lopes e ele me disse que o hábito não era tão raro. Ele teve um amigo que era garçom e trabalhou num restaurante de Santa Felicidade. “O cara não usava cueca de jeito nenhum”, disse. Como ele usava calças, poucas pessoas sabiam do costume e ninguém se importava ou implicava com ele. O garçom achava grande frescura usar cueca. Mas não é bem assim. Cueca e calcinha não foram feitas para enfeites, ingredientes de sedução, principalmente no caso da mulher. Quem pensa assim está enganado. A cueca tem utilidade, importância – ela existe para proteger os órgãos sexuais. Só para ter ideia, até os homens das cavernas usavam cueca.

Por falar nisso, a expressão cueca é usada no Brasil e em Moçambique. Em Portugal a mesma expressão é usada para calcinha – lá cueca é boxer. Portanto, usar cueca é correto. Mas o garçom Clóvis Soares de Lara não queria saber e não usava. No entanto, uma noite o hábito o deixou em apuros. Clóvis deixou a cozinha na direção de duas mesas no salão do restaurante, com duas belas bandejas carregadas com duas cargas de lasanhas na manteiga. No meio do caminho entre a porta e as mesas ele sentiu que algo deslizava da cintura para baixo – era a calça. Foi aí que ele percebeu que na pressa de ir para o trabalho, ele não botou cinto. A parte de trás descia mais rápido que a da frente.

Para evitar o processo, ele estancou a caminhada, se concentrou em segurar as duas bandejas para elas não cair e tentou com um movimento de quadris evitar que a calça descesse mais ainda, porque ele estava sem cueca. As pessoas nas mesas estavam impacientes e para elas o garçom ensaiava alguns movimentos de rumba, porque ele se requebrava e equilibrava as bandejas e os joelhos iam dobrando e ele se agachando e as pernas se abrindo para frear o movimento de descida da calça. Dois colegas com visão mais privilegiada que as pessoas nas mesas, perceberam o drama do garçom. E viram o traseiro peludo do colega. Aquilo ia ser um escândalo. Sem contar se a parte da frente também despencasse.

Como num musical de Hollywood, os dois amigos correram para socorrer Clóvis. Eles o ergueram pela calça, evitando a nudez frontal, escondendo de novo o traseiro e ao mesmo tempo repondo o garçom em pé. Um deles pegou uma bandeja e Clóvis usou a mão livre para segurar a calça. O outro pegou a outra bandeja e os dois foram na direção das mesas e começaram a servir os dois grupos de pessoas, cujos integrantes ainda olhavam para Clóvis para entender o que aconteceu, com um misto de surpresa e admiração. Clóvis, agora segurando a calça com uma mão, se curvava e fazia mesuras com a outra, como acabasse de apresentar um número artístico, enquanto recuava para a cozinha. Uma dona balançou a cabeça meio estupefata e achou que seria de bom tom aplaudir. Os demais também aplaudiram, esqueceram Clóvis e seu número e atacaram a lasanha com vinho branco.

O cozinheiro que foi chamado para ver a cena de longe perguntou para Clóvis: “O que foi aquilo que você fez?”. Ele disse que foi um número artístico que aprendeu na Itália. “Mas o seu traseiro peludo ficou de fora?”. Ele disse que foi acidente e que não ia repetir o número. “O curitibano não está preparado para isso”, disse petulante. Os amigos sabiam que não era nada daquilo. Clóvis continuou desprezando a cueca, mas não largava o cinto de couro de jeito nenhum.