O dia em que a torcida Coxa aplaudiu um jogador do Atlético

Era um domingo de Atletiba. O dia era 20 de julho de 1969, no estádio Joaquim Américo, a velha Baixada. O Coritiba já tinha garantido com antecedência o título de campeão da temporada. As fichas estavam lançadas para ser uma partida tranquila e sem maiores interesses, embora este clássico não nasceu para ser tranquilo. Ainda assim o estádio estava razoavelmente cheio. Era um dia festivo. As atenções em campo estavam voltadas para um jogador que, antecipadamente, anunciou para aquela tarde a sua despedida dos campos de futebol. Não era qualquer um. Seu nome: Hideraldo Luiz Bellini.

Bellini ia dar adeus ao futebol com a camisa do Atlético, nos campos do Paraná. Não era pouca coisa para o futebol paranaense. Era uma honra para o rubro-negro. Afinal, apenas três grandes times tiveram a honra de tê-lo como capitão: Vasco, São Paulo e Atlético Paranaense. Sem contar a Seleção Brasileira, que esta já estava num patamar superior. Bellini foi capitão da Seleção. E não foi qualquer um. Ele foi o capitão da primeira Seleção Brasileira campeã mundial. E isto aconteceu na Copa do Mundo disputada na Suécia em 1958.

Naquela tarde em que deu adeus ao futebol, Bellini já tinha ganhado tudo o que um jogador podia ganhar naquele tempo dentro de campo. Tudo o que tinha importância. Foi campeão mundial com a camisa do Brasil, com a qual conquistou ainda vários torneios internacionais, ganhou campeonato carioca com a camisa do Vasco e só não ganhou o campeonato paulista com a camisa do São Paulo, porque naqueles anos 60, o tricolor estava mais preocupado em gastar dinheiro com a construção do Morumbi. E foi assim que em 1968, Bellini resolveu jogar em Curitiba. No Atlético.

No Atlético ele não foi campeão, mas participou de uma obra talvez maior que um título: a retirada do time do fundo do poço em que se meteu no ano anterior. Que seja dito: por obra do ex-presidente Jofre Cabral, que colocou o clube numa vitrina nacional ao trazer um batalhão de craques, alguns rodados é certo e outros no auge de suas condições físicas, técnicas e futebolísticas, como o legendário Zé Roberto. No meio destes caras, estavam Djalma Santos e Bellini. E outros como Dorval e o nativo Sicupira. Era um time vistoso, de gente que sabia jogar bola. E que jogava bonito. O Atlético Paranaense do Robertão de 1968 fez partidas memoráveis. Coisa de encher os olhos.

Mas naquele dia 20 de julho de 1969, Bellini achou que tinha feito a sua parte e era hora de parar. E parou. E Curitiba também parou para ver o craque parar. Num Atletiba festivo. Momentos antes da partida houve a homenagem, simples, que naquele tempo não tinha frescura. O cantor das multidões, Orlando Silva, que estava em Curitiba, apareceu para entregar um troféu. Até o presidente do Coritiba homenageou o grande beque, que criou e eternizou o gesto de levantar a taça da Copa do Mundo acima da cabeça – gesto repetido até hoje. E na hora em que Bellini deu a volta olímpica de despedida, todos no estádio se levantaram e aplaudiram. Até a torcida Coxa.

Era um tempo de elegância, representado pelo jogador que se despedia. Afinal, não era um simples jogador que deixava os gramados. Era uma lenda do futebol brasileiro. Uma lenda que nesta última quinta-feira, dia 20 de março, deu adeus a este mundo e foi jogar no time de São Pedro. Bellini foi mítico até na última partida. Enquanto corria atrás da bola pela última vez, lá no espaço o astronauta americano Neil Armstrong se preparava para descer na Lua pela primeira vez. Assim que Bellini deixou o gramado, alguns minutos depois o astronauta pisou no solo lunar. Nada mais simbólico que isto. Era realmente o fim de uma era e o começo de outra. Para o homem, para o futebol brasileiro e também para o Atlético que com aquele grande time em que despontou Bellini recuperou um prestígio que havia chegado às raias da humilhação com o rebaixamento em 1967, que acabou não se concretizando por uma virada de mesa.