O copo derrubou o valentão

Quando soube da morte de Divanei Macaco não fiquei surpreso. O cara morreu jovem, 44 anos, tinha um físico de verdugo forjado na estiva da cooperativa onde trabalhava. Era um touro de forte. Na época da safra chegava a bater três caminhões por dia sozinho. Ganhou o apelido de macaco porque os companheiros diziam que ele andava igual ao King Kong, mas para não dar muito vista pregaram-lhe o apelido de macaco.

Encontrei Divanei repetidas vezes na época em que era impressor do jornal. A gente chegava no Bar da Tita, por volta das quatro da madrugada para tomar canja. Lá pelas 05 da matina aparecia o Divanei de mochila nas costas e cabelo molhado. Cumprimentava todo mundo e pedia um copo de pinga. Não era martelinho, era um copo mesmo. Dava a primeira talagada e sorvia quase a metade do líquido, acendia um cigarro e trocava umas ideias sobre futebol, os preços do mercado pela hora da morte e assim por diante.

Lá pelas seis da manhã, matava o resto do copo de cachaça, acendia outro cigarro e se arrancava para trabalhar na canga. Vi isso repetidas vezes e acho que foi um milagre o fígado resistir tanto tempo àquele massacre diário.

Naquela fase terminal, Divanei já estava mais acomodado, mas teve uma época em que tocava o horror na vila. Tirava vantagem dos músculos: – É ruim sair na mão comigo, gabava-se. E de fato, tomar um manotaço do Divanei não era boa pedida.

Quando os conhecidos advertiam que depois da invenção da pólvora não tinha mais valente, Divanei era ainda mais ousado: – Ah, se o cara puxar a arma eu urino no cano, desafiava. E quando duvidavam, emendava: – Vale quanto?,  estendendo a mão para uma aposta.

Aquilo era tão irritante que muita gente torcia para que Divanei levasse uma invertida. É o tal negócio: cuidado com o que você deseja, porque pode se tornar realidade. Numa noite quente de verão, Divanei estava todo prosa na esquina com um grupo de amigos.

Quando começou contar vantagem, Cardoso, um policial que morava na região e participava da roda de conversas, estrilou:  – Menos, Divanei! Assim você me afina o sangue. Perseu Macaco não se fez de rogado: -Vou no mano a mano com qualquer um e se puxar arma, urino no cano.

Cardoso puxou um 38 reluzente da cintura e desafiou o estivador bravateiro: – Urine, então que eu quero ver, provocou. O resto do grupo emudeceu. Destemido, Divanei deu um passo para frente e abriu a bermuda e logo se ouviu o estouro seco do disparo. Divanei ficou branco, naquela posição de quem está na barreira para cobrança de falta. – Ô loco, cara! Você quase me invalida. Por sorte ou por piedade de Cardoso, a bala passou entre as pernas de Divanei e se enterrou na rua de chão batido.

Passado o susto, Divanei ficou com mais moral ainda. Afinal, cumpriu com a palavra, embora quase tenha tomado um prejuízo irreparável. Entrementes, ficou com a pulga atrás da orelha embora isso fosse inútil, porque o destino já estava traçado. E o copo não teria piedade dele.

* Miguel Ângelo de Andrade publica a coluna ‘Pelas ruas da cidade’ durante as férias de Edilson Pereira.