Nunca presenteie uma mulher com cinco grades de ferro

O título acima sugere que eu vou escrever sobre liberdade, vida conjugal, prisões e coisas e tais. Mas não. Na realidade, vou escrever sobre uma arte aparentemente simples e que a cada dia se mostra mais complexa e frustrante para ambas as partes: a arte de presentear alguém. A falta de comunicação e a correria do mundo hodierno provocam este tipo de transtorno: ninguém sabe como presentear alguém hoje em dia porque desconhece o que a outra pessoa deseja, o que a outra pensa e com o que a outra sonha. A arquiteta Estefânia Biscardine me sapecou esta pergunta: “Qual foi o presente mais estranho que você ganhou?”

Eu não me lembrei. Eu lembrei que no amigo secreto de 1972, na minha sala de aula, um idiota deu de presente para um amigo um sutiã tão grande que cabia duas melancias dentro dele. Ele queria fazer graça, mas foi constrangedor. E o cara que ganhou era tímido. Estefânia me disse que ela acabou de ganhar de presente de aniversário cinco grades de ferro. De uma amiga que na juventude foi hippie e que agora com mais de 60 anos, anda meio pirada. “Acho que foi muito ácido”, conjeturou Estefânia. Eu respondi: “Pode ser. Algumas pessoas exageraram na juventude e hoje estão doidonas”. Era verdade. Mas este negócio de dar grades de presente era estranho e quis saber a história.

Depois que ela contou, até que não achei tão bizarra. Por incrível que pareça, acontece muito. Uma pessoa chega na hora de dar presente e se acha credora da pessoa que vai receber e sapeca: “Sabe aquilo que você estava me devendo e não pagou? Então meu presente é aquilo e não precisa pagar”. Não é elegante, é meio agressivo e constrangedor, mas não deixa de ser um “presente”. No caso de Estefânia, ela tem uma casa na praia e a amiga doidona que se aposentou foi morar lá por um tempo. Só que ela encasquetou que corria perigo de ser assaltada e mandou colocar grades em todas as janelas. Nas cinco. Grandes grades de ferro.

Claro que gastou uma grana preta para fazer isto. E claro que Estefânia não a ressarciu; primeiro porque não foi consultada; segundo, porque ela não queria casa de praia com grades, porque, como arquiteta, achava que não fazia o menor sentido. Mas ela não censurou a amiga cujo nome é Ladysvânia – na realidade é Vânia, mas ela adicionou o Lady por conta própria e ficou assim. Depois de algum tempo, Ladysvânia voltou para Curitiba e continuou amiga de Estefânia. Mas achava que gastou uma grana que não podia cobrar da amiga e não sabia como fazer para não ficar com a sensação de quem ficou no prejuízo.

E no aniversário da amiga ela disse: “Olha, meu presente de aniversário vai ser as grades de ferro das janelas da casa da praia”. Como ela disse no meio de outras pessoas que não conheciam a história, ficou estranho. Estefânia agradeceu, não explicou e o caso ficou obscuro. “Eu preferia que ela não me desse nada e ficasse do jeito que estava”, me disse Estefânia. Mas o problema é que aquilo devia estar entalado na garganta de Ladysvânia e ela encontrou nesta fórmula um equilíbrio. Foi o que eu disse. E acrescentei: “Você não pode esquecer que ela é maluca”. Acho que minha conversa mole fez bem a Estefânia. Ela disse: “Acho que você tem razão”. Eu quis saber o que ela ia fazer com as grades da casa da praia e ela respondeu, rindo: “Claro que eu vou deixar lá, não é? Afinal de contas, é falta de educação se desfazer de presentes”.

Estefânia é moça bacana, inteligente e bem humorada. E ela tocou num ponto importante: o que fazer com os presentes estranhos? Conheci casos de amizades que foram rompidas por causa de presentes estranhos que foram para um depósito de coisas inúteis. De qualquer maneira, antes de ir embora, Estefânia me deu um beijo no rosto, daqueles com direito a um cheiro gostoso de perfume na alma da gente e me aconselhou: “Pelo amor de Deus, nunca dê grades de presente para uma mulher”. Ela parou, pensou e arrematou: “Em todos os sentidos”. Eu disse tudo bem. Nunca pensei uma coisa desta.